O fútil tornou-se epidemia e uma legião de desavisados
acredita que esse é o valor essencial da vida
Recentemente, perdi um amigo vítima de uma doença devastadora. Digo “perdi” sem o conforto das minhas crenças religiosas, sem a esperança de reencontro, qual eu acredito e que me consola. A morte, ao contrário da teologia e do autoengano moderno, não tem promessas. O que ela tem é um silêncio devastador e a súbita consciência de que talvez algumas conversas nunca mais serão retomadas.
Mas a morte de alguém tão próximo me ensina sobre a precariedade das relações humanas. E me leva a uma pergunta incômoda: quão fortes são, de fato, as nossas amizades?
Há laços que resistem ao tempo e à ausência, que se impõem contra os desvios naturais da vida, mas há também relações que, ao menor sopro da rotina ou da conveniência, desmoronam como castelos de areia.
A amizade, no fim das contas, parece ser uma dessas experiências que testam constantemente sua própria solidez.
Em meio a essa reflexão, noto que os laços mais frágeis costumam pertencer àqueles que vivem no mundo da fantasia, gente que troca o essencial pelo supérfluo, que mede afeto pelo dinheiro, posição social e poder.
Eles existem em grande número, sustentando conversas vazias sobre novidades tecnológicas e marcas de grife, enquanto a vida passa indiferente às suas angústias disfarçadas.
Outros, encontram refúgio nas igrejas, emocionando-se com as canções do culto, fingindo se entregar ao que, na prática, pouco altera suas condutas diárias. Entre os fiéis e os materialistas, há algo em comum: ambos parecem fugir do mundo real.
Eis, no fundo, a tese de A Sociedade do Cansaço, um breve e brilhante ensaio de Byung-Chul Han. Cada época histórica tem as suas doenças características.
Se a humanidade já passou por períodos marcados por enfermidades bacterianas e virais, o nosso tempo se define por um mal muito mais sutil: a futilidade.
O apego ao que não traz sentido à vida é a grande epidemia moderna. Vivemos cercados por distrações que nos afastam do essencial, imersos em um sistema que nos exige desempenho, mas nos priva de significado.
A morte do meu amigo me fez pensar sobre o que realmente sobra das relações quando os dias se esgotam. E percebo que, enquanto muitos se ocupam do efêmero, há aqueles que ainda tentam construir algo que valha a pena. Raros, mas existentes.
São os que, em meio ao barulho, ainda sabem escutar. São os que, diante da pressa, ainda encontram tempo para o outro. E são, sobretudo, os que, na ausência, deixam algo mais do que um nome ou uma lembrança difusa: deixam um sentido.