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Alexsandro Nogueira: O mundo melhorou, mas por que estamos tão frustrados com a vida?

 

 


Se o mundo melhorou tanto e a sociedade está cercada de avanços materiais e tecnológicos, por que somos insatisfeitos e infelizes? Há quem diga, com base em números e gráficos, que vivemos numa era mais rica, mais pacífica e mais tolerante. 

Por que, então, essa angústia anda apertando o peito? Por que, com tanto progresso, nos sentimos tão desapontados? A resposta, talvez, esteja nas nossas expectativas, que cresceram a tal ponto que a vida parece cada vez mais sem graça.

Se olharmos para o passado, pelas páginas dos livros do escritor inglês Charles Dickens perceberemos que a rotina era mais dura, mas as aspirações eram modestas. Uma família considerava-se sortuda se os filhos sobrevivessem à infância, se o pão de cada dia estava garantido e se havia pelo menos um teto de palha sobre a cabeça. 

A luta diária era para vencer a fome e só a comida já bastava. O mundo não era um campo aberto para sonhos, era um fardo pesado para o homem carregar nas costas, com a resignação de quem não pode exigir nada em troca. E essa aceitação, por mais paradoxal que pareça, trazia uma certa paz de espírito. 

Hoje estamos mais conectados à fantasia, onde tudo está à nossa disposição — ou pelo menos deveria estar, como crianças mimadas.

Quando algo dá errado, não é apenas uma questão de inconveniência. Ficamos profundamente frustrados, tristes, e até entediados. É como se o direito ao prazer e ao sucesso fosse inviolável, e qualquer obstáculo nos privasse de algo essencial. Nessa realidade fútil, não basta viver, é preciso brilhar cada vez mais.

O conceito de “ser mais do que se é”, de buscar sempre uma nova conquista, traz consigo um peso invisível, uma cobrança incansável. Nunca estamos contentes com nada, porque o horizonte das nossas possibilidades se expande a cada passo, criando novos desejos, novas metas, e, inevitavelmente, novas decepções.

Nesse cenário, entra a reflexão do filósofo francês Pascal Bruckner impressa no livro “A Tentação da Inocência”. Segundo o autor, vivemos num tempo em que nos permitimos a fuga da realidade e a infantilização da vida adulta. 

Queremos tudo de imediato, mas sem o peso das consequências e das obrigações diárias. Essa mentalidade cria uma sensação de impotência mascarada de ingenuidade, onde, paradoxalmente, nos colocamos como vítimas de um sistema que, na verdade, ajudamos a construir com nossos desejos mais insanos.

Essa era de expectativa moderna nos leva a um estado de permanente ansiedade. Queremos tudo, e queremos agora. Mas a verdade é que nem todos nós temos as habilidades ou a força necessária para realizar o que idealizamos. E o que era para ser uma vida de conquistas transforma-se num ciclo de frustrações. Nos primórdios, sabíamos que os sonhos eram limitados e que a realidade era mais implacável e nada generosa. Hoje, com a promessa de que tudo é possível, qualquer desapontamento ganha proporções gigantescas.

Há também um traço curioso da natureza humana, que parece nos inclinar a valorizar mais as notícias negativas do que as positivas. O mundo moderno, com todas as suas conquistas, ainda parece programado para temer o pior. 

As boas notícias nos passam despercebidas, enquanto as tragédias ganham as manchetes e os debates. Por exemplo: se um navio de combustível melhora sua segurança em 90%, quase ninguém comenta, mas se há um derramamento de óleo no oceano, a indignação é imediata e o alarde se espalha como um rastilho de pólvora. 

Essa tendência, talvez, seja um resquício de nossa ancestralidade, quando a atenção ao perigo significava a diferença entre a vida e a morte.

Não é exatamente o mundo que está pior — é a maneira como olhamos para ele. As desilusões se tornaram nosso maior adversário. Queremos tanto, e com tanta pressa, que esquecemos de celebrar o que conquistamos. 

O sucesso nunca foi garantia de felicidade. É apenas um palco maior, onde nossas ambições e tristezas se manifestam com mais clareza. Talvez, no fundo, precisamos resgatar um pouco da simplicidade dos nossos bisavós. Naquela época, viver era, por si só, a maior das vitórias.
 

Alexsandro Nogueira é jornalista, músico e escritor. É colaborarador do Blog