Nelson Gonçalves: a voz dos apaixonados
que bebiam para esquecer que bebiam
Muito antes de Simone e Elis Regina resolverem cantar sobre a tristeza do inverno, Nelson Gonçalves já desfilava sua visão sentimental sobre a baixa temperatura: 'Lá fora o frio é um açoite...'. Era como sequela voz forte e elegante, regada a conhaque e cigarro, fosse um verdadeiro bálsamo para as noites geladas, um alento para as almas femininas, que encontravam em seus boleros uma espécie de aquecimento imaginário para a fossa.
Nascido em 1919, no rigor do frio de Santana do Livramento (RS), Nelson Gonçalves fez grande sucesso em discos e rádios, mas foi nas boates do Rio de Janeiro que o homem criou fama, fazendo dos palcos cinzentos e esfumaçados um confessionário. Naqueles inferninhos cariocas ele misturava a vida com a boemia da Zona Sul, cantando para as desafortunadas do amor.
Nas suas convicções, nenhuma mulher deveria passar pela angustiante sensação do frio existencial e oferecia suas interpretações como um abrigo ilusório para aquecer corações.
Nelson demonstrou o quanto amava as mulheres com uma sutileza que poucos conseguem capturar. Ele nunca quis ser cool, ao contrário de tantos colegas de profissão. Seu negócio era falar diretamente com os sentimentos das fãs. Foi dessa forma que ele encantou súditas nas cordas de seu gogó e ensinou as fãs a sofrer sem gritaria, com brilho e elegância.
E assim, ele se projetava como o autêntico machão dos anos 40 e 50 reforçando a corrente do conquistador, do homem cuja carne era fraca — uma espécie cada vez mais obsoleta. No fim das contas, a decadência do machismo é apenas mais uma ironia na nossa era de sinceridade forçada e de lacração.
A ironia é que, ao cantar melodramas da vida, Nelson. fez do sofrimento um espetáculo de classe. Ele foi um maestro dos sentimentos, um verdadeiro artista que não apenas cantava, mas fazia com que cada nota fosse um convite para uma viagem ao mais profundo e íntimo de cada coração. Por mais que o mundo tenha mudado, aquela voz de veludo com timbre de gim tônica continuará sendo o eterno mestre na arte de disfarçar o gelo da solidão com o calor de suas palavras.