Não há uma segunda chance para causar uma primeira boa impressão. Frase conhecida e divulgada pelo brilhante articulista JananGanesh, colunista do Financial Times em “O mito das segundas oportunidades”.
O problema só acontece quando encurtamos a frase para metade e fica a essência mais dura dessa afirmação: Não há uma segunda chance na experiência humana. Ponto. Quem se alinha a essa ideia? Poucos.
Descobri isso ainda na minha juventudequando meus amigos espumavam de raiva ao desperdiçarem suas chances no emprego e até mesmo nos encontros amorosos nas baladas de Campo Grande.
Ganesh sustenta que a soma das escolhas e das casualidades da vida esculpe, com precisão quase cirúrgica, o que somos e o que jamais seremos. Na contramão, a sociedade acolhe o inesperado com uma espécie de resignação, mas se esquiva de assumir a responsabilidade pelas decisões — sejam elas acertos ou tropeços.
A reflexão profunda acerca de nossas decisões é essencial, pois elas não apenas moldam nosso presente, mas também determinam nosso futuro. Para ilustrar isso de maneira simples, podemos considerar o exemplo dos filhos. Como mencionou o personagem interpretado pelo ator Bill Murray em "Encontros e Desencontros", após a chegada do primeiro filho, a vida que conhecíamos deixa de existir. Recebemos outra, muitas vezes até mais gratificante. Contudo, essa nova realidade não é a mesma e nunca mais será.
Não sou tão dogmático quanto JananGanesh ereconheço que, para cada decisão tomada, existem mil opções que deixamos para trás. Essa é a essência conflituosa do pluralismo: a impossibilidade de ter tudo ao mesmo tempo.
Meu ponto, porém, é outro: por que motivo as pessoas se indignam tanto com a mera hipótese de não existirem segundas oportunidades? Arrisco uma hipótese: porque essa negação contradiz a grande promessa da modernidade.
Aconteceu na virada do mundo medieval para o mundo moderno: os seres humanos, até então definidos por papéis sociais fixos, começaram a experimentar uma liberdade nova.
Era possível ser algo mais do que uma peça anônima no grande teatro da humanidade. Eis o que resumiu Pico dellaMirandola, o "ideólogo" do Renascimento em o‘Espírito do Novo Tempo’: Está na hora do homem ser um deus. E que fazem os deuses?
Criam seus mundinhos particulares esquisitos, com suas regras, suas possibilidades, suas identidades. E foi a partir da Idade Média, que a experiência da individualidade ganhou raízes profundas que nunca mais nos abandonaram.
Mas existem inquietações: se tudo depende da nossa divina autossuficiência, quem poderemos culpar quando os desejos não correspondem à realidade? Essa dúvida nos confronta porque os culpados somos nós mesmos. Grande parte das infelicidades que reinam nas sociedades ocidentais repousana crença da nossa plasticidade infinita. O pessoal comprou a passagem para fugir do mundo real rumo a terra da fantasia, mas o avião nunca chegou a decolar.
Da rigidez absoluta do passado passamos para a fluidez absoluta do presente. Segundas oportunidades? Não, não teremos, tal como o casal apaixonado Humphrey Bogart e Ingrid Bergman no filme "Casablanca" nunca tiveram. Esta, aliás, é a lição que fica: por via das dúvidas, saibamos abraçar as primeiras oportunidades como se fossem as últimas.