Pages

Um personagem à procura de um argumento

 


****Dante Filho******

O establishment e as elites dominantes nos colocam dentro do dilema de votar estrategicamente para matar a eleição em um único turno no próximo dia 02.

Para que esta decisão seja tomada é preciso utilizar apenas o instrumento informativo que são as pesquisas de opinião. Eles dizem que estamos correndo riscos dentro das margens de erro. As pesquisas mostram que mais uma vírgula, um tiquinho assim, Lula vence e nos livramos do ogro. 

Ou seja: temos as pesquisas como únicos instrumentos de vôo. Você colocaria nas mãos delas a sua decisão? 

Lula e Bolsonaro criaram um ambiente divisivo, que suprime a chance de discutir profundamente a questão. Não me arrisco debater a sério o assunto.

Levar a eleição para o segundo turno significa querer debater mais um pouco para ver se os candidatos se envolvam com leques mais amplos de propostas que, historicamente (quem sabe), nos abrirá perspectivas para o início do repactuamento do contrato social da Constituição de 1988.

Não é hora de dar carta branca a ninguém. A não ser que você acredite na propaganda de que estamos vivendo momentos cruciais entre a democracia e o autoritarismo.

Não.  Claro que não. O jogo é qual cleptocracia será menos danosa para o País. Lula e Bolsonaro se equivalem. 

Como até o momento nenhuma força repressiva do Estado chutou a minha porta para me prender porque escrevo isso e aquilo, sou instado a acreditar que a democracia permanecerá e durará muito tempo.

Se a vida vai melhorar do ponto de vista social e econômico, a partir do próximo ano, creio que o arcabouço de ambas as políticas já está posto para a próxima década, e não há como os incumbentes provisórios possam dar um cavalo-de-pau sem anuência do congresso e do judiciário. 

O governo Bolsonaro prescinde de sua presença para manter a maquinaria que taí nos próximos dois anos. Se ele sair, a herança maldita ficará nos assombrando. Se ele ficar vamos voltar à velha e cansativa história do PT e do anti-PT. Tudo está precificado.

Se Lula for eleito, o Brasil seguirá sendo o que é: corrupto, populista, atrasado. Se Bolsonaro permanecer, o espetáculo segue com o mesmo enredo, e o personagem com a mesma fantasia de maluco.

Claro que metade da sociedade viverá em delírio permanente por causa do “golpe”, e a outra metade ficará vendo “comunismo” em qualquer buraco de rua.

O Brasil, como se sabe, é um país de carneiros. E o pior é que os carneiros são sempre enganados da mesma maneira, até  quando lhes avisam que estão indo para o abate. 

Não é preciso ter criatividade. Não é preciso novos argumentos. Não é preciso novos truques. A sociedade brasileira repete civicamente os mesmos erros, sem que seja preciso jogar no fogo o livrinho da Constituição. 

Vejo todos os dias propaganda do TSE reafirmando que o voto é livre, depende do convencimento e autonomia do eleitor, que as regras estabelecidas são obrigadas a serem respeitadas, portanto, o voto pode ser útil ou não, o que importa é que ninguém possa ser constrangido a fazer escolhas com base em raciocínios elaborados no eixo Rio-São Paulo, no conforto da cátedra ou de um apartamento de luxo, com uísque 18 anos no copo de cristal.

Abro as redes sociais e vejo PHDs, intelectuais, artistas, empresários, dondocas, celebridades de si mesmas, falando como cientistas políticos, “ensinando” como a plebe deve votar “corretamente”. Os raciocínios são sofisticados, às vezes beiram a insanidade mental. Mas todos, invariavelmente, são ditos de cima, olhando para baixo, como se estivessem dando ordens para capiaus do mato. 

Talvez isso seja sintoma de uma sociedade cujas elites cultivam o hábito autoritário, mesmo quando dizem combatê-lo, sonhando com um mundo melhor. Como dizem, a boçalidade é orgânica e estrutural. Não será dessa vez que o Brasil vai se salvar.