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Alexsandro Nogueira: Jesus, Sócrates, Platão e a hipocrisia do ceticismo

 

Imagens de Jesus, Sócrates e Platão


A negação de Jesus como figura histórica é uma verdadeira obsessão de nosso tempo. Não porque a fé precise da ciência para sobreviver. Longe disso. Mas porque, se aplicássemos o mesmo ceticismo a outros personagens da Antiguidade, o mundo perderia alguns de seus maiores ícones filosóficos. 

Sócrates, por exemplo, desapareceria da história como uma invenção literária. E Platão seria mais um folclore descrito nos papiros. É nesse ponto que o argumento dos teólogos modernos ganham força: há muito mais evidências da existência de Jesus Cristo do que de Sócrates ou Platão.


A afirmação pode parecer exagerada à primeira vista, mas basta um olhar minimamente informado sobre as fontes históricas para perceber que ela faz sentido. 

O Messias divino foi mencionado por escritores judeus, romanos e cristãos num espaço de tempo surpreendentemente curto após sua morte. 

Flávio Josefo, historiador judeu do século I, fala de Jesus em suas Antiguidades Judaicas. Tácito, historiador romano, registra a execução de Cristo por Pôncio Pilatos. Mara Bar-Serapião o compara a Sócrates e Pitágoras (o matemático), sugerindo que seus ensinamentos transcenderam a morte.

E Sócrates? O que sabemos dele? Apenas o que Platão e Xenofonte decidiram registrar. Sócrates não deixou uma linha escrita; tudo o que conhecemos de sua vida e pensamento chega até nós por meio de seus discípulos, dos chamados "Diálogos Platônicos". 

Devemos confiar na honestidade intelectual desses escritores, assim como deveríamos confiar nos evangelistas que narraram a vida de Cristo?. Mas o curioso é que raramente se ouve um professor universitário questionando se Sócrates existiu. Esse tipo de dúvida parece ser um privilégio reservado ao cristianismo.

Platão, por sua vez, goza de uma vantagem documental um pouco maior, mas nem de longe comparável às pilhas de textos sobre Jesus de Nazaré. 

Os manuscritos mais antigos das obras de Platão datam de séculos após sua morte. Já os Evangelhos foram escritos por testemunhas ou por aqueles que conviveram diretamente com elas, num intervalo de tempo que, para os padrões da Antiguidade, eram curtos. O Novo Testamento conta com manuscritos antigos, tornando-se um dos textos mais bem preservados da Era Cristã.

Há, claro, a objeção de que as fontes sobre Jesus são predominantemente religiosas. Mas e daí? A maioria das informações que temos sobre Alexandre, César e tantos outros veio de cronistas interessados em exaltar feitos dos imperadores. 

Por que apenas os autores cristãos deveriam ser tratados com suspeita absoluta? A imparcialidade total é um mito moderno, e os historiadores do passado não faziam questão de escondê-lo.

O desconforto com a historia de Jesus não é uma questão de evidências, mas de consequências. Se admitirmos que Ele existiu e que suas palavras foram registradas com precisão, seremos forçados a considerar o apelo da mensagem biblíca. Ai, a coisa muda de figura. Quem estaria disposto a mudar sua conduta de vida e não cobiçar? Qual alma generosa doaria metade de seu salário para órfãos e viúvas?

Sócrates podia incomodar os atenienses com sua ironia e seus ensinamentos "subversivos", mas sua morte não dividiu a história em duas. Jesus, por outro lado, impôs uma crise à humanidade: aceitar ou rejeitar sua figura. E é por isso que tantos se recusam a dar-lhe o mesmo benefício da dúvida concedido a qualquer outro personagem antigo.

A ironia é que, negando a historicidade de Cristo, o cético não enfraquece o cristianismo. Pelo contrário, demonstra exatamente por que essa figura continua a ser a mais perturbadora de todas. Sócrates? Platão? Eram grandes homens, sem dúvida. Mas só um deles prometeu a eternidade.

Alexsandro Nogueira é jornalista, músico e escritor