Depois da eleição de Trump sinto uma piora nas expectativas, uma elevada falta de esperança e um sentimento de derrota de minha geração.
O homem laranja chegou chegando, gerando medo, desconfiança, imprevisibilidade. Perto dele, Bolsonaro (e outros da mesma espécie) parecem bambis alegres no parque de diversões.
Não é tanto pelo personagem caricato que, às vezes acho engraçado pela capacidade de elevar o ridículo, o deboche e a falta de bom senso a níveis jamais imaginado. Isso é o de menos. Não ligo muito para políticos que sei que um dia perecerão nas franjas da história, deixando atrás de si uma pálida sombra nas nossas lembranças.
Temo pelo rastro de horrores que essa gente deixa por décadas ou séculos, com baixa possibilidade e reversão endógena.
Veja Lula do atual momento. Sua presidência poderia servir para uma nova adaptação de Rei Lear, apesar de o Brasil ser tão chulé que faria Sheakspeare se debater na tumba.
Com licença poética acrescentaria um novo personagem na trama que simbolizaria Xandão no papel de Mephisto, que representaria o verdadeiro poder atrás do poder.
Tenho lido muito os opúsculos (como diz meu amigo, o advogado Newley Amarilla) do filósofo sul-coreano Byung-chul Han, talvez o melhor intérprete dos novos tempos, os quais se parecem com uma mistura de niilismo raivoso com retrocessos tecno-pop, com pitadas medievais de pânico apocalíptico.
Tenho pena das crianças e adolescentes que tiveram o azar de nascer nesta época porque elas viverão um período agônico de total desumanização de nosso processo civilizatório. Elas não herdarão o reino dos céus.
Recorro a uma frase de Han, do seu livro Infocracia (Editora Vozes). Ele escreve: "a atomização e a narcisização crescente da sociedade nos ensurdecem perante a voz do outro. Levam igualmente à perda da empatia. Hoje, cada um presta homenagem ao culto de si mesmo. Cada um performa e se produz. Não é a personalização algorítmica da rede, mas o desaparecimento do outro, a incapacidade de ouvir atentamente, que é responsável pela crise da democracia".
Alguém acredita que esse processo vai parar?
Muitos dirão que isso é pessimismo puro. Nessa hora vem à minha cabeça Ortega Y Gasset que nos lembra que quando se sentia muito otimista percebia que estava perdendo contato com a realidade. Na verdade, o que chamamos de "realidade" esfumaçou-se no ar, tornando-se "o início, o fim e o meio", como na música do Raul Seixas.
Na política, ouço muita gente reclamando da polarização, ao mesmo tempo em que noto que as militâncias fanatizadas estão colocando para funcionar suas máquinas publicitárias a todo o vapor, estimulando as divisões, aumentando a raiva e chamando para a guerra.
Tudo isso é muito tribal no pior sentido da palavra. É uma antropofagia selvagem, no qual a gente não se sabe mais qual a régua moral que devemos usar para medir as consequências de nossas atitudes perante o mundo.
Tudo está se tornando atonal e o campo de visão é limitante porque a noção de esperança está sendo suprimida por visões de catástrofe.
Nossos governantes são ladrões e abusivos, nossos juízes são obtusos, nossas instituições estão se esboroando, enquanto diminutos grupos brindam o fim de uma Era da Incerteza para a chegada lenta, mansa e sub-reptícia do caos.
Para tudo que eu quero descer.