Sou leitor de Pascal Bruckner desde que cheguei aos 40 - e lá se vão 12 anos. O escritor costuma ser indigesto, mas nunca desisto de um livro dele.
Mesmo os tendencialmente mais progressistas. Ele comete os exageros típicos da esquerda? Comete, mas como diria o filósofo Luiz Felipe Pondé, não há nada mais importante do que termos a coragem de pensar contra as nossas convicções.
Esse é um dos motivos pelos quais a minha pequena biblioteca tem mais autores contemporâneos do que conservadores. Não temo o contraditório e sempre me permito rever conceitos e valores.
Sou leitor de Bruckner por motivos intelectuais e não religiosos ou partidários. Nessa ordem. Primeiro, quero inteligência, o argumento, depois vem o resto.
Gosto especialmente das suas análises comportamentais do homem moderno e das divagações sobre aqueles sujeitos que encontram na ostentação o motivo primordial para existir.
É sexta-feira. Almoço com uns amigos até que um deles num gesto de arrogância imperial resolve anunciar um feito: esteve na cidade de São Paulo e almoçou no Fasano.
Olho para o meu prato, ajeito o guardanapo no colo e penso no que responder. O Fasano é, sem dúvida, um grande restaurante, mas o que me incomoda não é o destino gastronômico do meu amigo, mas a necessidade de transformá-lo em credencial existencial.
Há algo de triste nessa lógica: a pessoa não desfruta da experiência, mas do status do local. Não é o sabor que importa, mas o que a fama proporciona. Como se um almoço fosse um título da realeza.
É curioso notar que a ostentação moderna não se restringe mais aos milionários. Antes, era preciso uma fortuna para exibir tal distinção.Hoje, basta um cartão de crédito e uma conta parcelada.
Assim, proliferam os consumidores de luxo de ocasião, que se endividam por uma noite num hotel cinco estrelas, um jantar em um restaurante estrelado ou um carrão financiado em 72 vezes. O crediário faz milagres.
O objetivo nunca foi o prazer ou a qualidade, mas a pose que esses produtos oferecem. Como se a experiência valesse menos do que a foto nas redes sociais.
Pascal Bruckner falaria do desespero que anima essa compulsão por reconhecimento. Vivemos num tempo em que a privacidade perdeu valor, e a exibição se tornou um imperativo. Ser discreto virou pecado mortal.
Tudo precisa ser fotografado, compartilhado, aprovado. Até o silêncio é escasso. Ostenta-se o vinho, a viagem e o tênis de marca. E no fim, resta o vazio de sempre. O luxo, que deveria ser uma forma de distinção, converte-se em um ritual mecânico de busca de um prestígio social imaginário, que no fim apenas ridiculariza o indivíduo.
Volto ao almoço, sorrio e pergunto ao amigo se a comida estava boa. Ele hesita, depois responde com uma frase vaga. Não se lembra. O sabor nunca foi algo que importou. Fiquei com vontade, mas não tive coragem de lhe dizer que ostentar é cada vez mais brega.
Ser prudente é sinal de civilidade diante da barbárie em que vivemos.