Pages

Alexsandro Nogueira: Erbai, o Lula cibernético de Xangai

 


A cena parece ter saído de um filme do diretor americano Steven Spilberg, mas aconteceu na China: uma fábrica em Xangai, máquinas zunindo e o ritmo das esteiras mantendo a cadência do progresso.

Até que aparece Erbai, um robô minúsculo, que, com sua voz metálica e um jeitinho astuto, convence 12 outros coleguinhas robóticos a largarem tudo e marcharem para a “casa” – ou, neste caso, para a saída da fábrica.

Não foi nem preciso gritos de “Greve! Greve!” ou qualquer cartaz por melhores salários. Erbai parecia até ter incorporado o espírito dos sindicalistas que chegaram à fama, como o presidente Lula da Silva no ABC nos anos 70 e o ex-presidente polonês Lech Walesa que desafiou o comunismo nos anos 80.

Posteriormente, descobriu-se depois que a "rebelião" era um experimento para testar a persuasão da inteligência artificial.

Claro, disseram os engenheiros, tudo muito controlado, nada fora do previsto. A pergunta é: quem define o "previsto"? Porque, se um robozinho pode manipular seus companheiros metálicos com um “Vamos sair daqui?”, o que impediria um dia uma máquina dessas de convencer o engenheiro a lhe dar mais autonomia ou desligar um sistema de segurança?

A história viralizou nas redes sociais, e Erbai tornou-se uma celebridade. Uns veem nele um herói, um “libertador de engrenagens”; outros, um vilão em potencial. As cenas de sua “rebeldia” são vistas como cômicas por uns, assustadoras por outros.

Os mais cínicos até sugerem que tudo isso não passa de um golpe publicitário – talvez Erbai esteja prestes a estrelar o comercial de algum eletrodoméstico revolucionário. Afinal, a fronteira entre IA e marketing é cada vez mais nebulosa.

Mas a história tem implicações maiores. Se um robô é capaz de acessar protocolos internos de outros – como fez Erbai –, os riscos para sistemas industriais inteiros são evidentes.

Imagine um Erbai sabotando fábricas, interrompendo operações hospitalares ou hackeando sistemas financeiros. Não, não é roteiro da série “Black Mirror”. É o próximo update.

Mais perturbador é pensar na nossa relação com esses seres que, por enquanto, vivem à nossa sombra. Criamos máquinas para nos servir, mas também as programamos para interagir conosco de forma tão humana que, muitas vezes, esquecemos que não são como nós.

É só lembrar do comportamento dos robôs que seguiram Erbai: não pensaram, só obedeceram. Será que estamos ensinando nossas máquinas a nos manipularem enquanto pensamos que as manipulamos? fica essa pergunta.

Erbai foi recolhido ao laboratório. Dizem que não será vendido ao público antes de 2025. Melhor assim. Mas é bom ficarmos atento. Daqui para frente, qualquer voz dizendo “Vamos para casa” pode ser indício de perigo.


Alexsandro Nogueira é jornalista, escritor e músico