Menos sangue nas ruas
A acentuada queda dos homicídios no Brasil tem intrigado especialistas e a sociedade civil. Isso porque a violência sempre está no topo das preocupações da população e ocupa um lugar central nos planos de governo de qualquer gestor público.
Tenho uma perspectiva única sobre o tema, embasada na teoria otimista dos autores contemporâneos Steven Johnson e Matt Ridley.
Partindo da premissa básica de que o assassinato, entre humanos, é quase sempre protagonizado por homens jovens, solteiros, na faixa dos 16 aos 30 anos, é fundamental investigar o que ocorreu com esse grupo etário. A seguir, apresento três hipóteses que, embora possam parecer esquisitas, acredito que merecem atenção.
O Impacto da Vida Digital
Primeiramente, vamos considerar o efeito das telas. Em um mundo cada vez mais conectado, homens jovens estão, paradoxalmente, menos nas ruas e mais imersos em universos virtuais.
Vídeos, jogos e redes sociais têm capturado sua atenção e, consequentemente, diminuído a probabilidade de se envolverem em atividades violentas.
O psicólogo Jonathan Haidt se refere a isso como “Male Withdrawalfromthe Real World”, algo como: “Afastamento do homem do mundo real”. É um dado a se considerar: se é menos provável que eles arranjem confusão nas calçadas, é de se esperar que os homicídios diminuam. Afinal, é mais seguro e menos impactante “matar” no game Fortnite do que na vida real.
A Nova Era dos Aplicativos
Em segundo lugar, temos a revolução promovida por aplicativos como Uber e iFood. Para a geração "nem-nem", que se divide entre o desemprego e o desânimo, essas plataformas oferecem uma alternativa viável.
Ao invés de se engajar em atividades perigosas, muitos jovens estão ganhando dinheiro entregando pizzas ou transportando passageiros. Isso não apenas mantém esses indivíduos ocupados, mas também cria um custo de oportunidade significativo. Menos tempo disponível para a criminalidade, mais tempo investido em atividades produtivas.
A Influência da Pornografia
Não menos importante, é necessário abordar o impacto da pornografia. A violência entre homens jovens está frequentemente ligada ao acesso a parceiras. Segundo o renomado psicólogo Steven Pinker, a condição que mais reduz a probabilidade de um jovem matar ou ser morto é estabelecer uma relação estável, como o casamento e a paternidade.
Nesse contexto, a inundação de conteúdo pornográfico poderia estar suavizando a antiga competição entre os machos humanos por sexo e a exclusividade afetiva. Isso poderia, de fato, refletir na diminuição da agressividade entre os jovens.
Uma análise demográfica
É claro que muitos especialistas atribuem a redução dos homicídios a fatores demográficos. Contudo, essa explicação é mais complexa do que parece. O número total de homens brasileiros na faixa etária de 15 a 29 anos passou de 25,6 milhões, em 2010, para 25,1 milhões, em 2023, uma queda de menos de 2%.
Essa diminuição, porém, é irrisória quando comparada à drástica queda nos homicídios (que em uma década, entre 2011 e 2021, foi de quase 20%) verificada em todas as regiões brasileiras. Portanto, a relação entre demografia e criminalidade deve ser analisada com cautela em função de sua abrangencia e complexidade.
Desmistificando as Narrativas do Crime
Ademais, não concordo com a tese de que a profissionalização do crime organizado, como a cooperação entre facções (PCC e CV), seja a causa principal dessa redução. Apesar das narrativas midiáticas, a maior parte dos homicídios acontece por motivos fúteis ou envolve familiares e conhecidos, e não em guerras dos grupos criminosos. É fundamental reconhecer que a dinâmica social e as mudanças comportamentais têm um papel significativo nessa questão.