Ministro Sílvio Almeida, Lula e Anielle Franco
Era mais do que esperado o desfecho da demissão do Ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida, depois que a denúncia de assédio sexual contra ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco veio à tona. Muita gente reclamou que Lula decidiu tomar uma atitude tardiamente, pois desde a posse de seu governo o assunto era ventilado nos bastidores de Brasília.
Ontem, num debate da Globonews, sob o comando do jornalista Marcelo Cosme, o assunto ferveu inusualmente por conta das visões divergentes sobre o arcabouço do tema (claro que é consenso que se o caso relatado por Anielli for verdadeiro Sílvio merece ser punido) naquilo que os fatos até agora trazem na sua essencialidade histórica e social.
Os comentários de Demétrio Magnolli e do economista Joel Pinheiro, deixaram Cosme e a historiadora integrante da Coalizão Negra por Direitos Wania Sant’Anna (convidada especial do programa) fora do eixo. Houve tensão e climão, quase levando o programa ao nível dos debates protagonizados por Pablo Marçal. A moda está pegando.
"Do mero momento que uma acusação foi feita, não segue que está provado que essa acusação é verdadeira. A gente sabe que existe a importunação sexual e existe a possibilidade da acusação falsa, inclusive era isso que Sílvio estava dizendo. Então, em um primeiro momento, duas palavras, uma contra a outra. E não é critério da identidade dessas duas pessoas que vai definir quem está falando a verdade”, provocou Joel Pinheiro.
A bancada veio abaixo.
O comentarista Demétrio Magnoli, minutos antes, já havia cutucado falando sobre a indústria do cancelamento que o assunto estava gerando e fez blague da argumentação que Sílvio Almeida que, para se defender, havia invocado sua condição de negro como salvaguarda de sua moralidade.
Magnoli também achou suspeito que somente agora o assunto viesse à tona e pontuou que independentemente da gravidade da denúncia, as lutas internas no campo político não deviam ser deixados de lado.
O desconforto foi geral. Quase corri para pegar a pipoca.
Como se sabe, o jornalismo da Globo está intoxicado com pautas identitárias. Não há isenção ética em relação a temas que mexem com negros, índios, meio ambiente, LGBT e outros menos cotados. Para a maioria da imprensa (global ou não, a verdade só tem um lado) contestar dogmas é o mesmo que ser atirado na cova dos leões dos profissionais do cancelamento.
De minha parte, não sei ainda se Silvio de Almeida fez o que Anielle diz que fez. Desde ontem outras mulheres denunciaram nas redes sociais que o ex-ministro tinha maus hábitos que ia desde comentários importunadores até à famosas pegações em locais improváveis. E olha que ele tira grande admiração na esquerda e entre os progressistas. Os comentários nas redes era de que estes estavam vivendo uma "sexta-feira negra" tamanho o nível de decepção.
Mas fica a pergunta: e se Anielle estiver mentindo? A historiadora Wania Sant’Anna, neste aspecto, levantou uma questão pertinente. Qual o motivo real poderia levar uma mulher a acordar cedo e preparar cautelosamente uma denuncia contra alguém de seu ambiente de trabalho, sobretudo um Ministro de Estado?
Racionalmente, nenhum, provavelmente. Mas se houver uma trama política em curso, gerada a partir de desencontros mútuos do dia a dia do poder? Não sabemos. Tudo entra no campo das hipóteses. A cúpula governamental se fechou sobre esse assunto espinhoso. O vácuo é a oficina do demônio. O mundo está repleto de psicopatas de todos os lados. Não é preciso ser mulher nem homem para forjar uma maldade inominável para promover uma derrota pessoal e profissional no campo de disputa numa repartição pública, numa empresa, ou numa instituição qualquer. É cobra engolindo cobra.
Quem já não viu isso na vida!? Quem não apurou ou vivenciou a saga de mulheres e homens ressentidos em busca de vingança? O problema é que o identitarismo tóxico, acrítico, escroto, decidiu, por questões históricas havidas em sociedades altamente machistas e atrasadas, a zerar essa questão milenar a qualquer custo e preço.
Quanto inocentes hoje estão presos só pelo fato de ter sido denunciado unilateralmente por uma mulher?. Em casos de assédio sexual, com ou sem estupro, a palavra da mulher prevalece acima de tudo, mesmo que ela esteja fabulando os fatos com total exagero e falsidade.
Do ponto de vista das barbaridades cometidas, nas quais as mulheres foram durante séculos vítimas de crueldades inomináveis, muitas até hoje ficam fragilizadas quando se trata de disputar poder com homens, inclusive pagando o preço do feminicídio.
Quando um machão dono do mundo acredita que a mulher é apenas uma não-pessoa, um objeto descartável, alguém que apenas existe para satisfazer desejos de onipotência, nada mais correto do que trancar e punir o cidadão. Quem não conhece esse brucutus da idade média a tratar mulheres como se fossem nada?
Mas fica anda uma nesga civilizatória que não dá para negligenciar: e se o denunciado for inocente? E se ele é um cara que, num relacionamento tóxico, está pagando um preço que não deve? E se a moça é uma sociopata oportunista que comete crimes sob o respaldo da lei validada pela cultura do escândalo apenas para ganhar dinheiro com chantagens e extorsão como estamos vendo todos os dias, cada vez mais.? Num tempo em que dinheiro, status, fama e tempo de mídia são elementos que amoldam a existência, tudo é cabível e possível.
Acho que Joel Pinheiro e Demétrio Magnoli tiveram a coragem de levantar um problema que deve ser ponderado pela sociedade e, principalmente, pelo Poder Judiciário. O novo mundo exige análises aprofundada de nuances antes desconsideradas.
Não sendo assim chegará o tempo que não poderemos nos considerar seres humanos. Ou seja: vamos jogar duzentos anos de Iluminismo na lata de lixo da história por causa da histeria coletiva.