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Alexsandro Nogueira - Quando a fé se torna mercadoria: a irônica manipulação da religião na política

 

É comum, nesta época do ano, surgirem candidatos cujo slogan inclui a frase “sou cristão”. Outros, mais audaciosos, gravam depoimentos em vídeo dizendo que ouviram a voz de Deus e que, nessa epifania, receberam a certeza da vitória nas urnas.

Nesse sentido, a estupidez não é privilégio apenas dos evangélicos. Há católicos e outras vertentes do cristianismo que também embarcam nessa tentativa de engodo eleitoral.

Nas eleições para o governo do Estado, em 2002, o então candidato Marquinhos Trad juntou-se aos adeptos desse tipo de prática. Alegou ter recebido uma missão dos céus para governar Mato Grosso do Sul. O resultado foi desastroso para o ex-prefeito de Campo Grande: ficou entre os últimos colocados, e há quem diga que, se o pleito tivesse durado mais uma semana, ele teria terminado em último lugar, atrás do candidato Magno Souza, um personagem pra lá de caricato.

Castigo Divino ou apenas desdobramentos de uma campanha fraca, cheia de utopias? Jamais saberemos.

Talvez, pela distância dos Cânones Sagrados ou pela falta de compreensão das Escrituras, Marquinhos e outros tantos candidatos que usam a Bíblia como peça de marketing não saibam que ‘Deus não fala com o ser humano, exceto pelos seus pensamentos e emoções que são suas, mas não nasceram em você’. Simples assim.

Na obra seminal do historiador judeu Flávio Josefo (37-100 d.C.), um dos mais importantes biógrafos do conturbado período do surgimento da igreja cristã do primeiro século é fácil identificar que a política nunca teve apelo e muito menos foi prioridade no ministério de Jesus Cristo.

Pelo flagelo de séculos, era comum que seus seguidores viessem a pedir que o Messias libertasse o povo do jugo opressivo do Império Romano.

Com um argumento simples, mas eficiente, Ele respondia que seu Reino não era desse mundo e que fosse, deste mundo, pelejariam seus servos (...) (João: 18:36). A frase resume o pensamento Divino de que é impossível atender as ambições humanas pela ganância e poder.

Chega a ser irônico ver candidatos tentando usar a religião como trampolim para o poder. Pior: atribuem que suas ambições têm respaldo celestial nas urnas revelando não só falta de entendimento das Escrituras, mas também um desrespeito pelos princípios que elas realmente ensinam.

A verdadeira mensagem cristã não está na busca de influência ou controle terreno, mas na humildade e serviço genuíno ao próximo.

A política, ao misturar-se com a fé de forma superficial, distorce os valores originais e compromete a integridade das tradições religiosas.

A tentativa de usar Deus como uma peça publicitária na corrida eleitoral revela mais sobre a ambição dos candidatos. Como nos lembra os ensinamentos de Jesus, os verdadeiros valores não podem ser comprados ou manipulados, e muito menos servem de artifício para o sucesso pessoal.



Alexsandro Nogueira é jornalista, escritor, músico e colaborador do Blog