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Mansour Karmouche: A cultura das fake news derrota a democracia


Nos últimos dias, a imprensa tem dado destaque a inúmeras reportagens sobre o avanço do que se convencionou chamar de “fake news”. Desde a eleição de Donald Trump, o tema vem ocupando espaços cada vez maiores no debate público, principalmente porque a base da campanha eleitoral americana sustentou-se nas chamadas “notícias falsas”, propagadas amplamente pelas redes sociais. 

Há um temor lógico de que, neste ano eleitoral brasileiro, o mesmo possa vir a acontecer. Estudiosos do assunto têm revelado que a sofisticação das novas tecnologias de informação é capaz de reproduzir e difundir uma mentira milhares de vezes, em poucos segundos, numa proporção tão grande, que ela pode perfeitamente se tornar uma “verdade incontestável” ao longo de algumas horas, até que venha a ser esclarecida.

O grande problema é que uma notícia inventada em laboratórios da internet pode se tornar um vírus que se retroalimenta à medida que ganha os corações e as mentes, cristalizando conceitos e emoções que influenciam negativamente no julgamento da verdade dos fatos. 

O assunto tornou-se tão urgente que até o poderoso Mark Zuckerberg, idealizador e dono do Facebook, está preocupado com sua criação, tentando produzir mecanismos de controle nessa ferramenta interativa, que nasceu para que pessoas pudessem desfrutar de maior liberdade de opinião e comunicação. 

Para o mundo jurídico, o assunto é tão novo que ainda não se sabe o que fazer, pois as leis e jurisprudência sobre o assunto ainda tateiam em terreno pouco conhecido. Existem algumas salvaguardas punitivas para quem produz calúnias e difamações, mas, depois que uma mentira ganha a rede, é quase impossível tirá-la do ar ou controlar seus efeitos na vida dos atingidos. 
Mesmo assim, a sociedade sente que o problema trazido pelas redes é grave, principalmente no que tange aos seus aspectos políticos.

Cada vez mais se percebe a formação de grupos militantes (remunerados por lobbies poderosos) para difundir notícias completamente descoladas da realidade, mas que causam a sensação calculadamente adequada para favorecer interesses ilegítimos, além de montar cenários que atingem frontalmente os valores democráticos. 

Nesse aspecto, o que o mau uso da rede tem provocado é isso: está colocando em risco o próprio conceito da democracia, à medida que é utilizada para a obtenção quantitativa de cliques em vez de se preocupar com as medições qualitativas do que realmente significa a vontade geral. Vivemos, dessa forma, num mundo em que a mentira tornou-se a regra e a verdade um ponto fora da curva.

A rede transformou-se, ao lado de fortalecimento de amizades, numa arena de insultos, opiniões tresloucadas, mentiras deslavadas e destruição de reputações. Ou seja: tem algo de errado nesse processo de catarse humana, o que exige a intervenção de um mediador equilibrado que possa restabelecer a civilização sobre a barbárie. 

Como fazer isso? Por enquanto, não há respostas. A liberdade de opinião e manifestação é um valor primordial conquistado pelo iluminismo na cristalização da formação do contrato social da maioria dos países ocidentais. As “fake news” constituem fenômeno novo que deve passar pelas noções de pesos e contrapesos dos tribunais e das instituições da sociedade civil. 

Para alguns, virou modo de vida, para tantos outros, há que se contentar em ser vítimas involuntárias de um mundo que tenta incendiar emoções com informação barateada pelo sensacionalismo abjeto. 

Diante disso, os chamados perfis “fakes” tornaram-se elementos deletérios de nosso cotidiano – uma maneira que pessoas inescrupulosas encontraram para atuar na esfera do terrorismo emocional e ganhar dinheiro.

Moralmente é reprovável sob todos os aspectos uma pessoa se esconder de maneira dissimulada e multiplicada em identidades falsas para difundir mentiras e boatos sem que seja punida por isso. 

Enfim, não basta apenas ter preocupação institucional com o assunto, deve-se agir para coibir essa escalada da ilegalidade. Por enquanto, só a boa imprensa e o discernimento individual são capazes de mitigar a ação de profissionais dos boatos, denunciando irregularidades e levando aos órgãos competentes denuncias sobre o uso ilegal dos instrumentos da rede. 

Enquanto não houver reação proporcional aos danos causados, as “fake news” seguirão ganhando espaço entre pessoas ingênuas que acreditam em tudo que é divulgado. Mas se espera que chegue o momento em que o cidadão esclarecido e a Justiça, mais bem equipada, imponham um padrão ético que faça com que esse tipo de prática seja apenas uma triste onda que passou pela história da humanidade. 

Advogado e presidente da OAB-MS