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Entrevista exclusiva com Wilson Barbosa Martins (parte 9): cultura, o judiciário brasileiro, Manoel de Barros e o Imperador Dom Pedro II


“Não temos jornais como a gente gostaria de ter, mas que houve uma melhora, isso houve. Nossa imprensa evoluiu. A qualidade melhorou. A redação está melhor, a abordagem está melhor, embora nem sempre haja honestidade na informação. Às vezes, o jornal se apropria da notícia e a transforma. E faz a notícia ao seu sabor. A notícia não é levada ao leitor genuinamente. Como ela ocorreu. Mas sim como o jornalista gostaria que ela tivesse ocorrido”. 

Na nona ( e antepenúltima) entrevista publicada com exclusividade pelo Blog trata-se de uma conversa solta. Naquele dia, Wilson mostrava-se indisposto, talvez aborrecido com algum acontecimento trivial, mostrando que o compromisso mantido comigo dava-se mais por obrigação e disciplina do que por prazer. 

Foi então que decidimos apenas trocar algumas impressões gerais sobre acontecimentos daqueles dias - como o debate feroz travado no Congresso Nacional entre o senador Antonio Carlos Magalhães e o deputado Michel Temer sobre a reforma do Judiciário e a proposta de uma CPI para investigar juízes e desembargadores - e falar de assuntos que Wilson mais gostava: literatura, história, cinema etc. 

A rigor, pensei em descartar o material porque na época não senti a mesma relevância do que percebo agora. Os leitores vão julgar se a minha decisão foi ou não correta. Boa leitura: 



Temas da entrevista realizada em 15 de junho de 1999: Literatura, história, Poder Judiciário, ACM versus Temer, imprensa etc.

P- Depois que o sr. deixou o governo, como tem sido o seu dia a dia? 

W- Eu dou expediente aqui no escritório. Não estou advogando. Estou lendo livros de história, literatura (...) acompanhando os assuntos pela imprensa(...)

P – O sr. está fazendo política ?

W- Estou fazendo política, que, no meu modo de ver, serve mais para estimular companheiros (risos) do que para atuar mesmo (...) De vez em quando escrevo algumas coisinhas . Agora mesmo acabei de redigir um artigo a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil, lembrando o início das atividades da Ordem. 

P- Me parece que a OAB está publicando um livro...

W- Não sei o que eles pretendem com esse artigo(...)Talvez seja pra isso mesmo. Ficamos velhos e a única coisa para que nos querem é ficar lembrando o passado (risos).

P- Acho que sim, a Ordem também está querendo publicar suas memórias...

W- Então, entreguei ontem (14/06) esse artigo para eles. O tema é “Como foi o Nosso Início”. Ficou fácil a redação do artigo, eu que pensava que não tinha nada, lembrei-me que tinha no arquivo uma pasta de um primeiro Congresso Regional da Ordem(...) E ali tinha todo o material. E então, fiz três laudas, entreguei ontem(...)

P- O sr. faz citações sobre o Congresso...

W- Cito. Falo sobre o Congresso. 

P- Quais eram os temas da época?

W- O primeiro tema era sobre a Reforma do Judiciário; o segundo, sobre Ensino Jurídico no Brasil e, terceiro, sobre os Direitos Humanos. Ainda estávamos no período da ditadura militar e o tema era extremamente palpitante. 

P- Os três temas ainda são atuais.

W- Sim, são atuais.

P- Por exemplo: reforma do judiciário. Estamos acompanhando a briga do ACM com o Temer...(na época havia um debate no Congresso com Michel Temer defendendo e Antonio Carlos Magalhães atacando o Poder Judiciário).

W- É uma briga acesa, né?

P- Acho que o ACM brigou de caso pensado, para paralisar o processo de reforma do Judiciário.

W- Mas precisava fazer uma coisa tão dramática como essa?!

P- É o estilo dele, né?

W- Eu achei uma coisa de tão mau gosto...

P- De fato. Mas o que o sr. acha da reforma do judiciário?

W- Os livros mais antigos que eu li a respeito, por exemplo, de Voltaire, ele já dizia tudo o que falamos hoje do Poder Judiciário. 

P- E o que ele dizia?

W- O cerne do problema do Poder Judiciário é o emperramento. É a multiplicidade de processo, a pequena quantidade de juízes e a pouca produtividade de cada juiz no cumprimento de suas funções. E também a má qualidade da justiça. Além de ser uma justiça tardia. A pior das coisas para a justiça é a justiça tardia. Porque quando se profere a sentença ela já não tem mais atualidade. Além de tardia ela não espelha muitas vezes a expressão do melhor direito. Então, Voltaire era muito crítico. Muito irônico. O livro dele é interessante, é uma sátira contra a justiça.

P- Além de Voltaire, quais são os autores de sua preferência?

W- Vamos falar sobre a literatura brasileira. Eu acho o expoente maior da literatura brasileira, pelo vulto da obra, pela qualidade, é Machado de Assis. Dos autores chamados clássicos, ele sem dúvida é a expressão maior. É o grande escritor da língua portuguesa. Ou melhor: da língua brasileira. Ele é um autor que escreve dentro do quadro da realidade brasileira. Mas eu gosto muito de Gilberto Freire(....).Gosto muito do Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa. Outro é Os Sertões, do Euclides da Cunha. Inclusive agora eu li uma crítica sobre Os Sertões, do Gilberto Freire, que é uma coisa monumental. Ele tem um livro que se chama Perfil de Euclides e outros Perfis. Eu li esse livro há tempos, mas não sei se foi a distância em que eu tinha lido, que fez com que agora, relendo, esse perfil de Euclides , não mais no próprio livro do Gilberto Freire, mas numa revista de Brasília, achei extraordinário. Certamente porque eu conhecia melhor Euclides. E também por estar um pouco mais maduro para enfrentar a sofisticação dessas análises. 

P- Essas são leituras de pessoas maduras. Quando nos obrigam na escola a ler Machado, ficamos com raiva, nos sentimos humilhados. É complicada a nossa educação...

W-O Machado de Assis até hoje é um escritor pouco lido pela juventude brasileira. Ele requer leitores maduros, preparados. 

P- É preciso ter gosto pela linguagem...

W- Eu leio muito esparsamente. Li recentemente o livro O Presidente Segundo o sociólogo, do Roberto Pompeu de Toledo. Um livro bem feito. E onde se vê que o FHC é um homem preparado. E atualizado com as suas ideias. 

P- Agora, nós também notamos neste livro que o mundo teórico não tem nada a ver com o mundo prático, não é ?

W- Quem vê o escritor Fernando Henrique, o sociólogo, não percebe o político Fernando Henrique.

P- Do ponto de vista político, a crítica mais comum é que ele é muito titubeante, indeciso, ele não bate na mesa ...

W- Embora bata, né? São tantas as vezes que é preciso bater, que se ele bater todas as vezes ele passa a ser um Antônio Carlos Magalhães.(risos)

P- Mas o Antônio Carlos é aquela coisa despropositada.

W- Impulsivo demais, né?

P- O Sr. conheceu bem o Antônio Carlos Magalhães ?

W- Sim, conheci e tinha antipatia pessoal por ele na juventude. Ele é muito arrogante. Ele não perdeu aquela postura imperial até hoje. Agora, até me dou com ele. Cumprimentamo-nos com cordialidade. E isso foi obra do filho dele, José Eduardo. Foi o José Eduardo que se aproximou de mim e aproximou o pai de mim também. Ele tinha um temperamento muito mais cordato; era uma figura muito educada, e me aproximou do pai. Mas nunca tive com o pai uma conversa de dez minutos. Conversei umas duas ou três vezes com o Zé Eduardo. Tive boa impressão dele. Ele me visitou uma vez no gabinete no Senado, com o deputado Flávio Derzi. 

P-Mas o ACM sempre foi assim?

W- Quando ele era mais moço, deputado federal da Bahia, o Antônio Carlos era de uma agressividade muito maior do que a de hoje. Me lembro de uma reunião da UDN, partido ao qual nós dois pertencíamos, em que ele fez uma acusação a um colega presente, chamado Cury( e fez a acusação sem ter fatos fundados). Acabou-se verificando que o Cury de quem ele falava não era o Cury nosso colega de partido e da Câmara dos Deputados. O Antônio Carlos foi tão agressivo e tão injusto que eu deixei o recinto da reunião de maneira acintosa.Fiquei revoltado. E lembro que comigo saiu outro colega, de Pernambuco, José Carlos Guerra. Esse era o Antônio Carlos. Nunca tivemos bom relacionamento. Só agora quando fui senador é que voltamos a conversar. Porque o filho, como disse , nos aproximou. Foi um novo período. E conversamos cordialmente. Ele deve ter alguma coisa de importante. Ele deve ter valor político maior porque a Bahia hoje é um dos grandes estados brasileiros. E ele dominou a Bahia. A Bahia hoje é Antônio Carlos Magalhães. Ele exerce um fascínio sobre as massas. Lá, pelo menos. E o que tem feito pela Bahia é muito grande. Desde o ministro das Minas e energia , a Eletrobrás e demais cargos da política nacional você vai encontrar o pessoal da Bahia e do Antônio Carlos . Eu tive oportunidade de fazer relações com vários deles como Governador de Mato Grosso do Sul e posso asseverar isso . O ACM destacou boas pessoas para o panorama nacional. 

P- Qual a razão, pelo seu modo de ver, que levou ACM a se encasquetar com o Poder Judiciário? 

W- Eu nunca entendi bem isso, como nunca entendo bem as brigas do Antônio Carlos. Não sei até onde há interesse de promoção, de autopromoção, não sei até onde há valor patriótico nas suas atitudes. Eu sei que ele é dramático, uma figura que causa traumas. Essa última briga dele com o Michel Temer nunca podia ser travada. O Presidente do Senado versus Presidente da Câmara dos Deputados. E houve uma reação vigorosa por parte do Temer. Ele é franzino...

P- Um mordomo de filme de terror....(risos)

W- E mostrou que é capaz de reagir a altura.

P- O que o sr. acha da proposta de controle externo do judiciário?

W- Eu acho que valeria a experiência. O Poder Judiciário tem vícios que eu não acredito que seriam extirpados sem um controle de fora. É preciso que haja um censor externo para que impeça a proliferação das nomeações de parentes (...). Isso é muito grave (...) quando eles não fazem uma nomeação para os próprios gabinetes, fazem por acordo entre os colegas(...)na verdade isso ocorre em quase todo o Brasil. Mas não é só isso, o problema da parentalha, isso existe em outros poderes também, em outros países, mas a questão da auto-suficiência dos magistrados que superam os prazos que seriam de lei para proferir os despachos interlocutórios e os definitivos, as sentenças e o Corregedor que é, por assim dizer, uma criatura que exerce o controle interno, não tem condições de superar. 

P- Por motivação endógena, o Judiciário jamais vai se reformar, não é?

W- Tem que ter pressão externa, isso eu estou convencido. 

P- O Judiciário é o único poder que até agora não passou por um processo de depuração. O Judiciário ainda permanece uma caixa preta. 

W- O Poder Judiciário não deve ser um poder com exercício vitalício da judicatura. Teria que haver concurso e limitação de tempo de exercício. Isso anteriormente era feito, inclusive por compra de título. As pessoas compravam o título de juiz...

P- O sr. teve neste seu último governo muitos problemas com o judiciário, não é? 

W- Os problemas maiores foram não com o ministério público, foram com a própria magistratura. Os juízes que davam ilegalmente decisões que se apoderavam de recursos do orçamento, sem prévio exame, sem prévia consulta ao Executivo, isso era uma coisa terrível. 

P- Isso parece despreparo. Tem muita gente – com o devido respeito àqueles que têm qualidade - não tem condições psicológicas para ser juiz e tem em suas mãos um poder muito grande.

W- Sim, isso é verdade. Você se vê impotente diante do poder judiciário que, subitamente, retira parcelas de seu orçamento para efetuar pagamentos que muitas vezes não tem cabimento. Essa é uma questão que está posta e deve ser examinada nessa CPI do Judiciário (...). Eu não acredito muito em CPI. Acho que as CPIs são muito dramáticas, os jornais veiculam muito, seus membros jogam muito para a arquibancada e, no fim, são arquivadas. E o arquivamento das CPIs resulta em impossibilidade de se retirar as conseqüências punitivas que elas visam obter. Seria melhor organizar comissões. Comissões para fazer estudos, comissões reduzidas que produzam e que reformem a legislação. E em casos excepcionais, então, se faria a CPI. Mas não em tão grande número, como atualmente. E para levantar programas sem maior importância...

P- Parece que as CPIs acabaram se transformando num verdadeiro teatro e que se esgota aí mesmo, né? 

W- Sim, é tudo um grande espetáculo. E daí a expressão: acabam em pizza. Não sei a razão dessa expressão. Essa é uma expressão que deve ser originária do povo de São Paulo, porque em São Paulo, depois de se ir ao cinema ou ao teatro, vamos a uma pizzaria (risos).

P- A gente está falando em pizza, em CPIs, me ocorreu agora fazer uma pergunta relacionada a isso: como o sr. vê hoje a imprensa brasileira? 

W- Acho que melhorou. Acho inclusive que melhorou a imprensa local. Não temos jornais como a gente gostaria de ter, mas que houve uma melhora, isso houve. Nossa imprensa evoluiu. A qualidade melhorou. A redação está melhor, a abordagem está melhor, embora nem sempre haja honestidade na informação. Às vezes, o jornal se apropria da notícia e a transforma. E faz a notícia ao seu sabor. A notícia não é levada ao leitor genuinamente. Como ela ocorreu. Mas sim como o jornalista gostaria que ela tivesse ocorrido. 

P- O sr. já se sentiu muito injustiçado pela imprensa?

W- De um modo geral, não. Mas, nessa passagem de governo, com freqüência, sim. Nesse período agora em que o governador (Zeca do PT) dá entrevistas (...) ele é um homem que não cuida muito de sua linguagem, não cuida nada da sua linguagem, e não tem também nenhum discernimento dos fatos. Ele não tem nenhuma autocensura dos fatos que procura divulgar .Eu tenho me sentido injustiçado. E nada pior do que isso porque você que concorre com um candidato próprio à eleição e que é derrotado por esse candidato, você não pode ter a pretensão de, a todo o momento, estar ocupando a atenção da opinião pública para restabelecer a verdade. E nem a opinião pública está interessada em saber muito da verdade daqueles que foram derrotados. A opinião pública no momento em que vence o candidato favorito, o que deseja é que tudo o que ele diga seja sorvido com avidez, e não quer saber das razões dos derrotados. Não quer conhecer as minúcias nem o processo; o sentimento reinante é de vingança (...). E isso se sucede por meio das notícias da imprensa contra aqueles que não foram bem sucedidos nas eleições. Isso é muito natural, embora machuque...

P- Vamos voltar um pouco à literatura: dos livros do Machado de Assis, qual o sr. mais gosta?

W- Eu gosto dos contos do Machado. O que me atrai em Machado é a linguagem. É uma linguagem extremamente agradável. É tudo bem escrito. É singular. Há contos primorosos, estão aí nas antologias. 

P- O sr. gosta de Memórias Póstumas ?

W- Gosto muito. 

P- Qual sua opinião: Capitu traiu Bentinho?

W- (risos) Essa é uma questão que eu não vou solucionar com você nesse momento. Ela permanece em discussão. Se nós pudéssemos hoje resolver essa questão estaríamos prestando um mau serviço à literatura nacional. 

P- Cada um tem a sua opinião. Depois de muito tempo pensando no problema cheguei à conclusão que não. Capitu não traiu Bentinho. Era tudo fantasia , tudo paranoia do personagem. As mulheres não traem tão facilmente...

W- (risos) Eu acho que  a esse respeito as mulheres são como os homens: elas tendo a oportunidade caminham da mesma maneira que nós caminhamos para o adultério. 

P- Mas e quanto à literatura moderna, quem o sr. lê?

W- Eu gosto muito do Jorge Amado...

P- O sr. gosta de filosofia?

W- Não, não gosto de ler manuais de filosofia, gosto mais de história.

P- Tem um livro de história sobre Dom Pedro II – As barbas do imperador – que está fazendo muito sucesso agora....

W- Eu conheço a vida de Dom Pedro II. Eu acho, por sinal, que ele foi um imperador muito mais voltado para as letras, para a inteligência, para a cultura, do que para o seu País. E faço essa crítica a Dom Pedro. Um País que precisava de tudo naquele tempo tinha um imperador que se comprazia com correspondências com Victor Hugo, no estudo do sânscrito e do árabe e que, já que era um intelectual, tinha pendores pela educação e que, inclusive, ia assistir aos exames das bancas do Colégio Pedro II, foi depois traído de maneira vexatória(...). Ele nunca imaginou que, pelos amigos que tinha, principalmente pela dedicação que lhe devotava a Deodoro, que era uma pessoa venerada pelo exército, ele nunca imaginou que lhe faltasse o apoio justamente do exército na sustentação do Império. E ele caiu porque faltou-lhe precisamente o apoio de Deodoro. E também porque o Império estava esgotado. O movimento abolicionista tinha solapado o Império, a República estava nas ruas, não pela juventude que nunca participou dos movimentos republicanos, mas pela poesia de Castro Alves, extraordinária, pelo trabalho fecundo pelo próprio seguidor do Império, que era Joaquim Nabuco, e que era um dos grandes abolicionistas do Brasil. Quintino Bocaiúva, o próprio Rui Barbosa que se converteu à República nos últimos momentos. Então, Pedro II, foi o grande traído.

P- O sr. leu Mauá, do Jorge Caldeira? Ali Dom Pedro II não se sai bem...

W- Não li ainda, tenho aí para ler agora.

P-E cinema , o sr. gosta de cinema?

P- Eu gosto muito de cinema, mas eu, presentemente, tenho quase uma impossibilidade de assistir filmes e televisão. Tenho um problema nos olhos. Então, são poucos os filmes que eu vejo. Eu tenho um problema que não é visual. É um problema que me faz piscar, cuja causa não é conhecida pela medicina. E que me causa fotofobia e fico impossibilitado de ver a imagem. É com grande dificuldade que enxergo.

P- Mas que tipo de filme o sr. gosta?

W- Eu gosto mais de drama. Eu também gosto de suspense. Hitchcock, que já se foi. Mas ele era excelente.

P- Qual foi o filme que mais o marcou ultimamente?

W- Eu assisti recentemente a um filme que gostei muito: Coração Valente. Achei um grande filme. Vi também um filme muito badalado, mas achei muito ruim, sobre o naufrágio do Titanic. O filme é muito ruim. Aquele fato é fabuloso e sempre me espicaçou minha imaginação. Fui ver o filme, mas achei muito ruim. Mal cuidado, péssimos atores (...)

P- Dr. Wilson, algum tempo atrás me confidenciaram que o sr., apesar de admirar, não gosta muito da poesia do Manoel de Barros. É verdade?

W- Eu gosto muito do Manoel de Barros como prosador. Aquele livro dele “O Livro de Pré-Coisas” acho-o excelente. Eu também gosto das crônicas do Manoel de Barros. A poesia do Manoel de Barros me parece muito hermética e é uma poesia sem nenhuma musicalidade. Eu sinto isso. Mas alguma coisa dele eu gosto. Não seria possível dizer que não se gosta de Manoel de Barros.

P- O sr. teve alguma convivência com o Manoel na juventude, ou como advogado, já que ele também advogou?

W- Estivemos juntos aqui em Campo Grande num período em que lutamos contra a ditadura. E eu o admiro.

P- Essa luta a que o sr. se referiu que travou com ele, o sr. se lembra...

W- Foi ainda no tempo da ditadura. Não sei se ele foi comunista. Nós dois éramos ligados, não éramos só nós dois, havia um grupo maior.

P- Ele sempre foi daquele jeito, meio retraído?

W- Ele sempre foi um homem muito tímido. Ele me fez uma visita aqui em casa uma vez e me disse que é incapaz de proferir um discurso. Que às vezes em que ele tentou discursar se saiu muito mal. Uma vez chegou até a vomitar. E não conseguiu discursar. Ele é um homem extremamente modesto. Mas o seu valor hoje é reconhecido nacionalmente. Talvez mundialmente. Não importa o que eu diga, o que importa é o valor que ele tem.

P- Outro dia eu ouvi na televisão uma referência a uma pesquisa que identificou os cinco principais medos do homem, em variados países, em variadas situações. É natural que a gente pense que o maior medo é o da morte. Não é. O primeiro medo é o de falar em público.

W - Eu tive muito medo de falar em público. Foi com muita dificuldade que eu me habituei a fazer discursos. Eu superei isso na prática. Principalmente pelo discurso forense. O discurso forense é um discurso baseado, você se prepara para as audiências, você se prepara para os júris e faz um estudo intenso do direito aplicável aos fatos ocorridos. Então, o discurso forense é um discurso que o advogado, conhecendo a língua, e tendo relativo preparo, ele se sai bem. Porque não é um discurso para dizer banalidades. Como é o discurso político.

P- Mas é diferente: o discurso forense se faz para um grupo restrito de pessoas.

W- Mas é um discurso de extrema importância porque está em causa um conflito de direitos, conflito de provas, e que se tem procurar convencer o magistrado, o tribunal, os jurados, da sinceridade e da verdade dos argumentos que você expõe.

P- O sr. se lembra qual foi a primeira vez que falou para um grande público?

W- Meu primeiro discurso para um grande público foi um desastre. Eu era estudante de direito e eu fui escolhido para falar numa homenagem à Dulcina Moraes {atriz} num teatro em se levava uma peça. Ela era uma grande artista daqueles tempos. Era a grande do Brasil da época. E eu não consegui dizer o discurso. Acabei debaixo de minhas cobertas na minha cama, isolado e envergonhado ( risos) . Não consegui falar.

P- E quando o sr. conseguiu falar, qual foi a primeira vez?

W- Não me recordo a primeira vez que consegui falar. Mas esse fato me trouxe uma inibição muito grande. Eu consegui falar depois pelo treino vindo do discurso forense. Discurso de audiência, discurso do júri e a partir daí tive condições de falar em discurso político.

P- O sr. disse há poucos momentos que o discurso político é uma banalidade. Sempre?
 
W- Nem sempre. O discurso político às vezes é soberbo. É belíssimo. Muda o rumo dos acontecimentos. É muito mais importante. Eu já ouvi grandes discursos.

P- Dos grandes oradores do Congresso, quem o sr. admirava, gostava de ouvir falar ?

W- Está é uma tradição que está acabando. A era dos grandes oradores está quase acabando. No período de minha mocidade um dos grandes oradores na tribuna política foi o Otávio Mangabeira. Os discursos do Rui Barbosa que eu nunca ouvi – ele morreu cedo ou eu nasci tarde (risos) –, mas os discursos que eu leio dele não são agradáveis; os períodos são muito longos, é muito adjetivado . As conferências, então, me fazem dormir. No entanto, eu gosto de certas passagens(...). No meu período de congressista, eu ouvi grandes oradores falando sobre temas diversos, mas sempre sobre política. Ouvi um discurso que me impressionou muito, não pela veemência, mas pela convicção que infundia e pela memória com que reproduzia o que tinha escrito e estava em nossas mãos. Foi um discurso de De Gaulle, na Câmara dos Deputados. Transformado nesse instante em Congresso Nacional. As reuniões maiores do parlamento são realizadas no auditório da Câmara. Ele fez um discurso sem ler, mas que já tinha escrito e divulgado. Você lia em francês e ouvia em francês a mesma coisa. Ele dizia o que estava escrito.

P- Dizem que De Gaulle era uma figura impressionante...

W- Alto, imponente (...). Quando eu ouvi De Gaulle eu já o conhecia dos fatos de sua vida. Então, ele era impressionante pela coragem, pela bravura, pela decisão...

P- O sr. ouviu Carlos Lacerda, que diziam ser um grande orador?

W- Sim, ouvi, não como parlamentar, quando cheguei ao Congresso ele já tinha saído. Mas ouvi Carlos Lacerda em discursos políticos. Aqui mesmo  Campo Grande eu ouvi Carlos Lacerda numa  conferência no cinema Santa Helena. Ele era convincente. Tenho aqui comigo um livro com os principais discursos de Carlos Lacerda proferidos no Congresso Nacional e na Câmara dos Deputados. Mas o Carlos Lacerda era um orador muito mais convincente e mais poderoso para quem o ouvia do para quem o lia. Isso não sou só eu que diz e sinto, já li isso escrito pelo próprio prefácio deste livro dos discursos que possuía.  A voz, a imponência pessoal, o poder de convicção que transmite, Lacerda era uma personalidade dentro de uma voz.

P- E o sr. quando vai fazer um discurso, tem aquele tradicional primeiro momento de temor?

W- Depende do dia. Há momentos em que sim. Ainda começo vacilante. Me afirmo à medida que o discurso avança. É sempre assim. Como a vida...

(Continua)