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Entrevista exclusiva Wilson B. Martins (parte 7): A nova República, a Constituição de 1988 e os governos Collor e Sarney

" Não podemos apoiar nem erigir em lideranças no estado, nos municípios, no âmbito federal, políticos preocupados em se enriquecerem no poder. Isso está demonstrado na política seguida pelo Collor, pelo Quércia, pelo Maluf (...). E os políticos corretos, tipo Ulisses Guimarães...esses vêm para ficar e, quando desaparecem, deixam sua imagem, deixam seus serviços e a sua marca permanece para a admiração póstumas".

Nesta sétima entrevista, Wilson aborda seus trabalhos como senador na elaboração da Constituição de 1988, fala sobre seu governo nascido no processo da Nova República, conta sua relação com o ex-Ministro Delfim Neto - "o homem que salvou o Mato Grosso do Sul" -, terminando com comentários sobre Collor e Sarney. 

Wilson aproveita para falar sobre reforma agrária, potencialidades de Mato Grosso do Sul e justificando as razões pelas quais o estado teve que contrair dívidas logo no processo de seu nascimento. 


Entrevista  realizada em 11 de junho de 1999 com o tema o mandato de Senador, a Nova República, o governo Sarney e a Constituinte de 88


P-O sr. assumiu o senado num período de intensas transformações do País: Governo Sarney, Plano Cruzado, constituinte, Governo Collor, impeachment. Como foram essas experiências? Quais as reflexões que o sr. faz desse período?

W- As eleições para o Senado se realizaram num período de grandes decisões  nacionais. Fizemos a campanha sabendo que teríamos que dar ao País uma nova constituição. E eu estive na linha de frente nos trabalhos da Constituinte. Eu pertenci a uma das comissões mais importante da casa; estudei os projetos com as equipes técnicas, e apresentei numerosas emendas. Muitas dessas emendas foram aprovadas. Aquela fase da história do Brasil era totalmente diversa da de hoje. Era um momento em que nós tínhamos que agasalhar as reivindicações do povo brasileiro. Demandas sociais reprimidas como direitos dos funcionários, direitos dos trabalhadores, direitos humanos, que tinham sido desrespeitados, Direitos previdenciários (...) e que agora tinham que constar da Constituição.Tudo isso constituía objeto do nosso trabalho e não importava saber o estado econômico da Nação, a sua situação financeira, o que importava, naquela hora, era agasalhar direitos. Havia uma pressão social muito grande nesse sentido. E em relação a organização social dos poderes, discutiu-se muito também, como todo capítulo, todo título incluído na constituição, discutiu-se muito sobre os impostos, os tributos que caberiam a união, impostos que caberiam aos Estados, aos municípios e, de uma maneira geral, a União saiu em dificuldades, segundo análise dos especialistas da constituição...

P- A união saiu perdendo???...

W- Saiu perdendo (...) Mas eu digo que os estados, especialmente, os estados chamados subdesenvolvidos, os estados que trabalham com produtos primários, estes saíram em pior situação. E os municípios também não saíram bem. Era uma situação difícil porque se tratava de distribuir recursos escassos a entidades públicas endividadas, sobrecarregadas(...).Os estados estavam endividados e os municípios estavam na miséria. E  assim os debates foram muito interessantes na Constituinte. Não só os debates sobre as emendas, sobre o texto do projeto, como os debates doutrinários que se realizaram paralelamente ao exame do projeto constitucional. Eu penso que a minha atuação foi uma atuação e quem estava conhecendo bem a realidade e que via que estávamos concedendo muitos benefícios sem lastro para pode fazer. Isso especialmente no que toca às reivindicações sociais.

P- Mas essas observações, as análises alertando para o problema, não eram feitas?, ou seja, de que se estava concedendo muito sem uma base de sustentação?

W- As demandas eram muito intensas. E o que se ouvia era justamente as colocações das demandas. Elas sufocavam o debate econômico.

P- Hoje a gente tem a nítida impressão  de que a Constituição foi elaborada com a ideia muito forte da cultura inflacionária. O que o sr. acha? Quando agora a economia estabilizou-se houve, então, a percepção de que a constituição era um problemão?

 W- Sim. A realidade hoje é inteiramente diferente. Tanto que as reformas pedidas pelo governo implicam sempre em retirar direitos concedidos. As reivindicações concedidas anteriormente. A constituição de 88 era chamada “Constituição Cidadã”. Porque ela dilatou ao máximo as prerrogativas. Ela dilatou ao máximo os anseios, concedeu tudo o que se pediu aos parlamentares.

P- O principal condutor desse processo, o deputado Ulisses Guimarães, como entendia essas questões? Havia muitas críticas pelo tamanho da Constituição, etc. ...

W- A constituição foi elaborada com o maior número de artigos de todas as constituições já aprovadas no País. Ulisses (Guimarães) era um democrata e era um amigo do povo. Ele enchia a boca quando falava na constituição cidadã. Ele confiava nas possibilidades do País. Ele achava que nós tínhamos potencialidades muito grandes e que essas potencialidades seriam realmente transformadas em recursos dentro de breve tempo e que nós poderíamos acudir tudo o que a constituição colocava à disposição do povo brasileiro. Essa era a postura dele.

P- O sr. disse que propôs muitas emendas na constituinte. O Sr. poderia citar alguns exemplos de emendas que foram viabilizadas por iniciativa sua?

W- Foram emendas na área do Poder Judiciário, na área do funcionalismo público(...) Em todo o texto da Constituição eu trabalhei. Algumas emendas foram expressamente agasalhadas, outras implicitamente agasalhadas. Teria que fazer um cotejo das emendas oferecidas e aquelas que, de uma maneira completa  e de maneira parcial foram recebidas pelo texto final.Não tenho esse trabalho formalizado...

P- Eu me lembro que em determinada fase da aprovação do texto constitucional houve alguma escaramuças entre o Presidente Sarney e o Deputado Ulisses Guimarães. Revelaram-se divergências profundas de conceito  entre o Poder Executivo e Legislativo. Passado o tempo, hoje o sr. diria que o ex-presidente Sarney tinha razão?

W- Na época os constituintes davam um crédito de confiança muito grande ao  Ulisses. Ele era o detentor da confiança dos parlamentares. Ele e mais ninguém naquela hora tinha o condão de conduzir os destinos do projeto constitucional. O Presidente Sarney era um homem sem a força política do Ulisses, que, por sua vez, era um homem filiado a uma linha partidária que tinha profundos vínculos pelos País, pelos municípios, pelos estados(...). Ele conhecia as pessoas pelos nomes, as lideranças, ele corria o Brasil de ponta a ponta. Ele tinha amigos em todos os lugares. Em toda a parte ele era a grande voz  do povo brasileiro. Dificilmente nós tivemos tido um homem com mais força política que ele nesse período. O que não ocorreu posteriormente quando ele se candidatou á Presidência. Já era um outro momento, ninguém, nenhum político, tem o condão de irradiar força, de ter sempre prestígio ao longo de toda o tempo de sua atuação.

P- Quando ele disputou a Presidência foi quando o Collor venceu...

W- Foi a disputa em que o Collor venceu e ele se enfraqueceu já na própria convenção. Porque a convenção era a convenção do partido, trabalhada pelos Quercistas, que queriam obviamente a candidatura do Quércia. E quem era ovacionado, quem era aplaudido realmente na convenção do lançamento dos candidatos a Presidente, nessa ocasião, não era o Ulisses, era o Quércia. O Quércia era o homem do MR-8 que sempre abafou as convenções do PMDB. E ele jogava de uma maneira para os partidários dele e de outra maneira junto ao Ulisses. Ele dizia que dava apoio ao Ulisses, mas na verdade ele procurava ampliar a sua aceitação nas massas. E os Ulisses, ao meu modo de ver , saiu enfraquecido da convenção. Eu estive com ele até o final. Votei com ele no primeiro turno e, quando perdemos, veio o segundo turno, com  Collor e Lula, e eu votei no Lula.

P- O sr. acompanhou o governo Collor até o seu impeachment ...

W- Eu estava em Brasília desde a posse, assisti ao discurso de de Collor, a força que ele teve no primeiro período, força inegável, e que chegava inclusive a dificultar a apresentação de emendas por parte dos parlamentares dos seus projetos.

P- Passada essa fase, como o sr. analisa hoje o Governo Collor?

W- Collor foi um meteoro que brilhou muito rapidamente e se extinguiu também muito rapidamente e não trouxe nada para o Brasil a não ser o desastre. O seu impeachment, a sua desmoralização, a sua ligação com a corrupção, recursos  subtraídos pelos seus comparsas, como o PC, que retirava dos negócios feitos com o País, em comissões das mais grossas, que segundo se soube, era de até 30% dos negócios feitos no interesse do País para a caixa do Collor. E esses negócios foram denunciados e denunciados também os jantares oferecidos pela sua esposa no palácio com verbas oficiais para assuntos diversos do interesse nacional.

P- Corre uma versão atualmente pela imprensa e por alguns setores de opinião no Brasil, de que se o Collor tivesse feito amplos acordos com o congresso, tivesse agido de uma maneira diversa, como está agindo o Fernando Henrique, ele não sofreria o processo de impeachment. Como o sr. analisa essa versão?

W- É difícil analisar essas hipóteses. Você teria que dar ao Collor não as qualidades que lhe eram imanentes, qualidades que, na verdade, formavam sua personalidade, mas teria que dar a ele não o que ele possuía, mas as qualidades que o Fernando Henrique possui. Então ele não seria o Collor. Ele seria o Fernando Henrique. Acho que é muito difícil analisar esse assunto sobre esse prisma. O Collor com os atributos dele, a educação dele, a formação moral, a formação ética, tinha que desaguar no que desaguou: seu esboroamento e seu desastre. Ele foi assim desde jovem. Ele viveu em Brasília, foi colega de meu filho, as farras dele eram conhecidas, a mocidade e juventude, enfim, o homem era aquilo que vinha crescendo na planta que lhe foi regada. Enfim: não deu certo, não deu certo...

P- Atualmente, o tempo de impedimento do Collor está se exaurindo. Ele possivelmente, nas próximas eleições, será candidato a qualquer cargo. O sr. acha que ele retorna à Presidência ?

W- O Collor pode retornar(...). A pena dele foi de suspensão por oito anos(...), pode engajar-se numa eleição parlamentar, numa eleição parcial e obter uma vitória ainda, porque neste País ainda há muitos ingênuos e muitos esquecidos, mas ele não logrará mais voltar ao País nos braços do povo e chegar à Presidência da República. Ele não tem mais condições pra isso. Ele esgotou o seu próprio processo. A figura dele como salvador da pátria, os processos de que utilizou, tanto para a vitória, sobretudo na administração, a corrupção que ele usou no governo, isso ele não tem mais condições de utilizar...

P- Voltando ao tema da constituinte, o sr. tem algum arrependimento em relação ao que foi aprovado na constituição? O sr. faria alguma autocrítica?

W- As condições de então fizeram com que eu me pronunciasse nos discursos e oferecesse as emendas que ofereci com a mais segura das intenções de estar servindo o País. Então, não teria  porque me arrepender. Vejo que as condições do País hoje são outras e hoje, certamente, atuaria de maneira diferente. Talvez alguns votos que foram dados hoje teriam que ser repensados.

P- A impressão que se tem hoje de que, no cerne da reforma da constituição proposta pelo Fernando Henrique, até em função dos acordos internacionais, parece seguir numa direção de centralização cada vez maior de recursos em favor da União, com aumento de responsabilidades dos municípios, e, com isso, levando os estados a um maior enfraquecimento. O sr. acha que é por aí que se resolve os problemas brasileiros?

W- Se for essa a tendência  nós, de Mato Grosso do Sul, estamos numa situação péssima (...)muito mais porque nós temos uma situação muito ruim no que diz respeito aos nossos direitos, que estão mal definidos na constituição.E não foi somente na constituição que se tirou isso(...)foi ao longo do processo. Nós perdemos também a batalha de distribuição de recursos dos estados. Estados como a Bahia, Ceará, Maranhão, estados do nordeste e outros estados do Brasil, levam uma parte muito grande de recursos que são redistribuídos ao Brasil...

P- Qual a razão disso?

W- Porque eles estabeleceram um critério da renda per capita, critério da população do estado, são critérios muito fortes para se estabelecer a redistribuirão desses recursos...

P- Qual a situação de MS nesse contexto?

W- Nós temos uma população muito pequena, cerca de 2 milhões de habitantes, estado com 358 mil quilômetros quadrados, maior do que São Paulo, e sempre se apostou muito na riqueza de Mato Grosso do Sul. Nós temos uma imagem de estado rico. Nós não somos um estado rico. Onde estão as riquezas de Mato Grosso do Sul? Nós temos algumas regiões de terra de primeira qualidade, mas temos terras fracas na maioria do Estado. Temos o pantanal, que é uma beleza, sem dúvida. Mas é a quarta parte de MS e ali só se faz a criação extensiva (...) não se pode desenvolver ali agricultura. Ou instalação de indústria em Corumbá , em função do minério existente , de ferro e manganês. E turismo. Mas também o turismo da região do pantanal não é um turismo de massa. É turismo que não pode ser de massa. É um turismo extrativo. Se o sujeito vai lá para pescar(...) e se você  massifica isso acaba também a beleza dos rios da bacia do Paraguai, que são as belezas que restam. Tem que ser um turismo para rico, seletivo. Mesma coisa em Bonito. Não se pode fazer um turismo de massa em Bonito. Se fizer, acaba.

P- Pode chegar um tempo em que se vai pedir para o turista não ir a Bonito...

W- Já pedem !...

P- Dr. Wilson, depois de Collor, se fortaleceu muito dois conceitos nacionais: o conceito de ética na política e, corolário a este, o de que toda a autoridade, seja ela qual for, está sob suspeita. São dois conceitos aparentemente antagônicos, mas que se convergem. E p mais interessante é que esse fenômeno está fortalecendo a “indústria de escândalos”. O sr. acha que esse é um processo necessário? É assim mesmo que tem que ser?

W- Os homens que são corretos, que se devotam aos interesses da Pátria, eles são conhecidos e sempre têm o seu lugar. Os outros, os demagogos, os velhacos, esses logo são conhecidos e logram poucas vezes o povo. Eu acho que a fiscalização que se exerce sobre os homem públicos é salutar. Acho que essa questão que você coloca é importante. Não podemos apoiar nem erigir em lideranças no estado, nos municípios, no âmbito federal, políticos preocupados em se enriquecerem no poder. Isso está demonstrado na política seguida pelo Collor, pelo Quércia, pelo Maluf (...). E os políticos corretos, tipo Ulisses Guimarães...esses vêm para ficar e, quando desaparecem, deixam sua imagem, deixam seus serviços e a sua marca permanece para a admiração póstumas. 

P- Outro dia, numa outra entrevista, o Sr. disse  a respeito dessa questão do tratamento dos fatos, dos escândalos, que isso induz a população a pensar que essa é a solução de todos os problemas, quando, na verdade, a gente sabe que muito pouco será solucionado. Mas o Sr. também não acha que isso, ao mesmo tempo, faz parte de um processo educativo  da sociedade? Não é assim que faz ficar patenteado o que deve ser valorizado, o que deve ser respeitado, e o que não deve?

W- Sim, acho que temos que estar sujeito a fiscalização. E temos que exigir dos nossos homens públicos sempre o devotamento a causa nacional e não podemos permitir que eles se enriqueçam, que se corrompam no trato da vida pública.

P- Nessa linha de raciocínio o sr. que viveu durante tanto tempo a vida política não só do estado como do País, acompanhando esse processo, essa relação da sociedade com a classe política, em que, de certa forma, nós estamos vivendo um processo gradual de desautorização do político como símbolo de representação, ou seja, o conceito da classe política era diferente antigamente?

W- Acho que tivemos no passado grandes políticos. Você veja no Império, veja 1ª República, veja na República Nova...há grandes nomes em todas essas fases. Não vamos aqui desfilar os grandes nomes da política brasileira desse período. Não é esse nosso objetivo. Mas o que é necessário é que o político não esteja isolado. Que cada vez mais ele faça política com a participação da sociedade. A sociedade está sentindo isso. Os organismos oficiais, todos, sindicatos, associações de classe, todos os organismos vivos da sociedade, estão sendo reclamados pelos políticos, e ao mesmo tempo estão procurando dar assistência aos políticos, e assessorando os políticos para que se consiga alguma coisa de útil em favor do desenvolvimento do País. Não é só o fato de ser representante (...). O parlamentar é um representante, o governo é um representante  do povo... mas ele precisa como que uma constante legitimação do povo, especialmente na discussão, na decisão dos graves problemas, como são os da reforma constitucional, é preciso que os políticos estejam permanentemente em contato com os organismos vivos da sociedade. 

P- Muitos analistas dizem hoje que a política representativa está vivendo uma crise. E que cada vez mais essa ideia de representação da sociedade será transferida da classe política para outros tipos de representação. O sr. acha que a política representativa tradicional, que é feita através dos partidos políticos, está caminhando para o seu ocaso?

W- Não, não acho que ela esteja caminhando para o seu ocaso. Temos que  ter homens e não Conselhos Comunais. Temos que ter representantes pessoais, individuais, que falem por nós na Presidência da República, na governança dos estados, dos municípios, temos que ter representantes nos Congressos . E então a representatividade hoje em vigor não está caminhando para o ocaso. Eu falo da cooperação a essas lideranças, do permanente contato desses representantes junto à opinião pública para que os representantes políticos não percam autenticidade e não exprimam, nas decisões, nos discursos, nas leis, nas modificações legislativas, apenas a vontade individual do representante. O político deve entender a urgência em amalgamar-se ao coletivo e entender que representar o povo é uma vocação e não uma profissão.  

P- Nós não sabemos que aquilo que consideramos supostamente o mal esteja no político ou na sociedade, porque as correias de transmissão são muito tensas e diversas. Por exemplo: nos países em que não há obrigatoriedade do voto, cada vez mais, o número de votantes a cada eleição diminui. Cada vez menos a sociedade se interessa pelas eleições. No  Brasil ainda o voto é obrigatório. O sr. acha que se acabar com a obrigatoriedade do voto, também viveremos esse processo?

W- Eu sou pela obrigatoriedade do voto. Acho que todo cidadão deve ser responsável e essa responsabilidade nem sempre deve ser espontânea. Tem que ser exigida dos cidadãos. Eu acho que o voto deve ser obrigatório.

P- O Sr. mudou de pensamento a respeito de reforma agrária ? Há diferença entre aquilo que o Sr. pensava anos atrás e agora?

W- Acho que no Brasil há muita concentração de propriedade. As estatísticas mostram isso. Acho que a reforma agrária é uma necessidade e deve ser estimulada e conduzida sempre pelo poder público. Mas não de uma maneira anárquica. Tem que ser de uma maneira ordeira. Creio que não mudei de opinião, o que mudaram foram os costumes. Acho que é preciso respeitar os que possuem a terra e a trabalham, produzem e contribuem para a própria subsistência e para o enriquecimento da coletividade. Acho que eles devem ser respeitados. Não podem ser perturbados nem estar ameaçados como acontece agora – ameaçados permanentemente por forças que  ao invés de estimular desagregam.

P- Hoje a grande manchete da imprensa é a seguinte: MST invade Banco do Brasil. Como o Sr. vê o MST?

W- Acho que o MST é um organismo ousado e está enveredando por caminhos que não ajuda o crescimento do nosso País. 

P- Atualmente há muitas invasões de terra. Os produtores alegam que essas terras são produtivas contra os argumentos do MST, que diz o contrário. Há,enfim, um verdadeiro conflito de interesses. Mas isso demonstra uma coisa só: o poder público não tem conseguido resolver essa questão. Como o sr. está compreendendo esse processo?

W- Acho que esse governo (FHC) já distribuiu terras como  nenhum outro governo distribuiu. E o problema continua. Agora, todos sabem: o problema da reforma agrária não é só distribuir a terra. É fazer projetos, obter a associação de forças dos estados e dos municípios(...). Ordenar essa força e obter recursos e dar seqüência ao primeiro ato com atos sucessivos  de assistência ao agricultor em todos os sentidos. Só distribuir a terra não resolve o problema. Nós temos que dar a terra , temos de fazer as estradas, organizar os núcleos de reforma agrária e isso implica em instalação de escolas, posto de saúde, dar enfim condições sociais capazes, inclusive creditícias,  capazes de fazer funcionar a reforma agrária.

P- O Fernando Henrique diz que a reforma agrária é uma luta do século XIX que persiste no final do século XX e que vive hoje a chamada fase final da luta política. O sr. acha que vai chegar o momento em que, resolvida a questão da luta política, a reforma agrária passará a ser discutida sob o enfoque econômico, ou seja, como é que se vai produzir mais e melhor?

W- A reforma agrária não pode ser apenas uma luta política. Ela tem que ser levada às suas últimas conseqüências de uma luta econômica que seja traduzida em aumento da produção e solucionar os graves problemas de alimentação do povo brasileiro. 

P- Hoje se fala muito em Pacto Federativo. Como o Sr. vê essa questão?

W- Analisamos a pouco que em 1988, quando organizamos a nova constituição, foi feito a discriminação dos tributos de cada um dos poderes, das esferas de poder. Temos que reexaminar isso. Assim como está, não está bem. Eu acho que o Mato Grosso do Sul é um exemplo. Dizem que gastamos demais. Não duvido que tenhamos gasto demais e até empregados recursos aí(...), desviado inclusive recursos e empregado mal os recursos...

P- Desviado como ?

W- Desviado até criminosamente, acredito. 

P- Por todos os governos?

W- Não, eu nunca admitiria que eu tivesse empregado recursos de maneira desonesta. Mas eu já acusei administrações do estado de terem feito isso. E apresentei denúncias fundadas. Elas estão caminhando no poder judiciário. As acusações que foram levantadas contra mim, especialmente no término dessa minha última gestão, são infundadas. Não há nenhuma acusação de peso. São todas de natureza eleitoreira e são facilmente explicáveis...

P- Mas voltando aos desvios de recursos....

W- Acho que essa dívida toda que nós temos provém muito pouco de desvios de recursos. Nós não tínhamos nada. Nós a fizemos em vinte anos, é verdade, contraímos uma dívida de mais de 2 bilhões no estado, renegociada com a União. Mas como é que nós poderíamos caminhar? Como poderíamos ter um sistema de educação? Sistema de saúde? Como poderíamos ter um sistema rodoviário? Como poderíamos ter a assistência social que temos? Como poderíamos contar com os transportes que possuímos, enfim, como poderíamos transformar o Mato Grosso que recebemos, a parte de Mato Grosso do Sul, sem gastar ?. Sem fazer tudo que fizemos? Isso tem um preço! E esse preço é justamente aquilo que nós empregamos! Basicamente para levar o estado adiante ! Para desenvolver, para ajudar os investimentos que aqui  se fazem, para fazer com que esse estado fique ainda naquilo que se encontra, mas caminhe sempre avante e possa esse estado andar com os demais da Federação...

P- Deixe-me, só por curiosidade, fazer uma pergunta que está na moda: o que o Sr. acha da proposta de mudança de nome do Estado?

W- Acho isso banalidade, uma bobagem, acho isso uma promoção idiota. Isso não tem sentido e defraudaria inclusive as tradições mais caras que nós temos, todos os sul-mato-grossenses. Não podemos renunciar às nossas mais belas tradições deste País  que passam aqui pelo Mato Grosso do sul. Como é que nós vamos renunciar às bandeiras, as entradas, as lutas do pastoreio, as lutas da mineração, todas as lutas aqui travadas pelo nosso povo, para receber o nome do Estado do Pantanal? O Pantanal, geograficamente, é um quarto do Estado. É uma região do Estado. Mas nem o pantanal é alguma coisa que constitui uma beleza unicamente de Mato Grosso do Sul. O Pantanal é também uma região de Mato Grosso, também uma região do Paraguai, da Bolívia. Então isso aí não abrangeria o que o nome Mato Grosso do Sul abrange.

P- Muita gente que defende a mudança de nome  diz que o fato de nós ficarmos com o nome de Mato Grosso do Sul, aparecemos como um apêndice de Mato Grosso. Daí confusão que muita gente ainda hoje faz...

W- Acho que tudo isso é uma tolice. Isso prova uma coisa: que nós não tivemos ainda capacidade, condições, recursos, para nos promovermos. Para sermos conhecidos como estado de Mato Grosso do Sul. Temos que ser conhecidos pelos bons atos administrativos. Uma vez um jornalista me disse: Mato Grosso do Sul é um nome muito grande, não cabe numa notícia do painel da Folha de São Paulo (risos). Pantanal é mais rápido, mais simpático (...). Não vejo assim.

P- Vamos voltar a falar do governo Sarney, porque acabamos passando muito por cima deste tema. O Sr. acha que o governo Sarney foi um mal necessário para o País?

W- O candidato era outro. O candidato se chamava Tancredo Neves. Tancredo era um nome conhecido em todos os quadrantes da Pátria. Ele inspirava confiança. Foi o nome da travessia do estado ditatorial para o estado democrático. Sarney veio como vice, tendo que renunciar ao seu partido e optar por um novo para poder engajar-se na vice-presidência. É um homem de bem. Conheço- o. Foi um dos meus colegas da bossa-nova da UDN, na Câmara dos Deputados. Damo-nos bem. Não tenho restrições a seus atributos morais. E nem intelectuais. Ele é um parlamentar inteligente, político de peso do País. Mas aquele momento em que ele assumiu foi um momento especial em que o Brasil pedia a presença do Tancredo. Como a constituinte que se fez em 88 pedia o nome de Ulisses. Então, somente eles podiam conduzir o processo todo. Lembro-me que o próprio Sarney, quando do falecimento do Tancredo, dizia que não havia se preparado para ser Presidente. E ele era companheiro de chapa do Tancredo.  Mas estava convencido de que ele (Tancredo) era o homem que deia governar o País nesta etapa. Faltava ao Sarney densidade política, faltava-lhe conhecimento das grandes lideranças nacionais. A própria situação do País, dos compromissos que precisavam ser feitos para conduzir a nação naquele momento. Lembro-me como ele ficou deprimido com a morte de Tancredo, como todos os brasileiros. E como ele ficou intimidado diante do desafio que recebeu. Tudo isso mostra que ele realmente não estava preparado para ser o condutor do Brasil naquele instante.

P- Apesar de que ele teve um grande momento quando lançou o Plano Cruzado...

W- No Plano Cruzado ele se saiu bem. O Plano Cruzado teve um instante em que revalorizou a moeda e muitos brasileiros queriam ser os fiscais do Sarney; o plano funcionou bem como funcionam bem esses planos num determinado período. Depois pedem mudanças heroicas, que não podem deixar de ser feitas, pois se deixarem de ser feitas comprometem o plano, comprometem o próprio presidente que os lança. O próprio Plano Real hoje não é mais o que foi no início. O Fernando Henrique disse hoje na televisão, que não usa tanto o plano real como usou sempre nas discussões e nas argumentações anteriores. Ele está, de certa maneira, esvaziado. Estamos em outro instante agora...

P- Apesar que a estabilidade da economia continua....

W- Sim , a estabilidade continua...

P- Ao preço de uma recessão brutal... 

W- Sim, uma recessão violenta, mas veja que o dólar hoje está a mais de um real e cinqüenta centavos, um e sessenta e um e setenta. Eu creio que o Sarney errou não quando não o modificou no momento certo. Fez uma modificação tardia e foi por isso muito criticado.

P – A razão que alegam é que ele não fez isso porque estava em curso um processo eleitoral. O Delfim Neto definiu isso e usou durante um bom tempo esse argumento dizendo que isso foi  o maior “estelionato eleitoral” da história do País. O Sr. acha que foi isso?

 W- O Plano Cruzado foi modificado fora de hora. O Delfim sempre tem expressões  marcantes para vergastar seus adversários. Eu tenho uma dívida muito grande com o Delfim. E não desejo polemizar com ele. Ele me ajudou muito no primeiro governo. E recebeu uma carta minha de agradecimento quando deixei o governo. Foi a derradeira carta que escrevi como representante de Mato Grosso do Sul. Isso no primeiro governo.

P- Quais são os termos dessa carta?

W- Que ele tinha viabilizado o meu governo. Porque ele havia me facilitado recursos. Foi uma carta pessoal. Eu estava numa posição difícil, eu era adversário da revolução, e fui a casa dele em São Paulo e ele me disse que me conhecia, que sabia quem eu era, sabia de minha honestidade e que eu podia contar com ele para a minha administração. E ele realmente me proporcionou recursos para que eu fizesse a administração que eu fiz. Ele me ajudou mais como Ministro do que Fernando Henrique como Presidente da República, sendo meu companheiro, correligionário e amigo. 

P- O Delfim agiu dessa forma com o sr. em função do quê ? Qual a razão objetiva? Qual o interesse?

 W- Eu credito a ele boa-fé e bons propósitos porque jamais me pediu nada. Ele nunca me pediu apoio político, nunca me pediu recursos, nunca me pediu comissões, nem cargos , nem indicações políticas, nada. Ele sempre agiu comigo com muita lisura. Então, eu não posso deixar de render-lhe a minha homenagem. 

P- Essa carta que o Sr. escreveu para ele é uma correspondência longa...

W- Não, é uma carta que se esgotou em menos de uma lauda. Uma carta de agradecimento. Só.

P- O Sr. voltou a ter contato com ele posteriormente, depois do governo, no Senado?

W- Estivemos juntos várias vezes, nos tratamos com muita cordialidade, mas sempre no recinto do Congresso, em algumas reuniões, mas nunca fora disso.

P- No último governo, o sr. chegou a ter contato com ele?

W- Tive no Congresso. Nossas conversas sempre eram conversas rápidas, de cumprimentos, de uma palavra ou outra sobre a situação do País, mas nunca tivemos confabulações políticas ou nos reunimos para examinar a conjuntura nacional. 

P- E com o Sarney, o sr. manteve contato depois da Presidência?

W- Quando Sarney estava na Presidência eu pedi uma audiência como Senador para levar os problemas do Estado. Levei por escrito as reivindicações do Estado dizendo-lhe que ele não tinha atendido em nenhum momento o Mato Grosso do Sul e que gostaria que ele marcasse uma reunião para mim. Ele marcou um jantar. Ele estava em companhia de seu Ministro Marco Maciel. Eu estava em companhia do Senador Marcelo Miranda. Jantamos juntos, depois do jantar sentamo-nos a sós. Um em frente ao outro. E conversamos sobre o Estado, em que tive a oportunidade de fazer-lhe as reivindicações mais necessárias do momento. E entreguei-lhe por escrito. Ele me autorizou algumas das coisas que pedi. Entre elas um pedido para o Ministro do Planejamento, João Sayad. Não me lembro da data, devo ter nas minhas anotações. Ele (Sarney) autorizou e disse que ia atender. E assim eu procurei o João Sayad. E o Sayad disse que tinha recebido, mas não tinha recursos para atender. Ele não podia autorizar porque não tinha recursos.

P- Depois disso, o  Sr. voltou a Ter contato com ele( Sarney)?

W- Os contatos deixaram de ter sentido porque se ele, o Presidente da República, me dizia com segurança que podia atender e dava instruções ao seu Ministro para que atendesse e eu ouvia do Ministro que não podia atender, que não havia recursos, o Presidente não sabia o que estava autorizando. E nessas condições o representante do Estado perdia a confiança de voltar a fazer novos pedidos.

P- Ou seja: o Presidente Sarney não tinha o domínio da situação, era o chamado Presidente fraco, não é ?

W- Era uma situação difícil. O que, entretanto,  não o impedia de levar muitos recursos especialmente para a cidade dele ( risos). 

(Continua...)