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Alexsandro Nogueira: História de uma demissão


Hoje ele acordou atrasado. Tateou o criado, apanhou os óculos e caminhou rumo ao chuveiro. Na hora do banho, lembrou-se da agenda esquecida no banco do carro e que, por esse motivo, não recordava da primeira atribuição diária.

A mulher já estava na cozinha, cuidando do café e dos afazeres domésticos. Tomou rapidinho um iogurte com cereais, para fortalecer o corpo e aguentar o tranco matinal.

Já passava das 7h30 quando ele chegou ao serviço. Chegou esbaforido, com aquele sentimento de culpa pelo atraso repentino. A recepção quieta, os colegas mudos e o patrão com cara de poucos amigos, denunciavam algo estranho no ar.

Disse bom dia, arrastou a cadeira e ligou o computador. Em seguida, ouviu a secretária cochichando no telefone sobre a lista de demissões que estava na mesa do chefe. Suas pernas tremeram. Pensou na mulher, nos filhos, no aluguel, nas prestações, nos problemas conjugais. Era o fim.

Assim que a porta da sala de reunião se abriu, ele ouviu o som da voz do patrão chamar o primeiro nome da lista da degola. Todos em silêncio escutaram elogios, justificativas, Dilma, Temer, crise e por fim, a frase: “Infelizmente, você não faz mais parte dessa equipe, lamento”.

Viu lágrimas nos olhos, pessoas cabisbaixas e um sentimento de medo e frustração que pairava no ambiente. Em seguida levantou-se, deu um abraço afetuoso no colega demitido e com a voz embargada, profetizou que dias melhores viriam. O colega acenou e partiu.

Sentou-se novamente na cadeira e ali permaneceu emudecido aguardando o próximo nome da lista negra. Quarenta minutos depois, assistiu uma senhora de meia idade caminhar em passos lentos para o destino final. Mais uma vez seguiu o mesmo protocolo: uma despedida comovente e juras recíprocas de amizade até o fim da vida.

A lista seguiu com mais dois nomes. A aflição só aumentava. As mãos  tremiam, a boca ficou seca, o rosto dormente . Uma sensação de pavor tomou conta daquela sala.

Até que, para terminar com aquela angústia toda, foi ter um particular com o chefe. Pediu permissão para entrar e desabafou. Começava assim um confronto de ideias.

Falaram sobre mercado, CLT, sindicato, encargos para o empregador, aumento da taxa de desemprego no Brasil. Saiu de lá mais esperançoso sobre sua permanência no trabalho e com a certeza de que tinha feito um grande amigo no comando da empresa. Estava eufórico.

À caminho de casa, passou na padaria comprou pão, queijo, refrigerante e algumas guloseimas para os filhos. Era pobre, mas queria comemorar com estilo a amizade no alto escalão.

Antes do jantar, contou a novidade para a esposa, ligou para um amigo e fez planos para conquistar prestígio dentro da diretoria da empresa. Mais um pouco e seria amigo dos poderosos.

Passou a noite assim. Confabulando ideias para ter um carreira de destaque e ter o aval do chefe como um funcionário de confiança e respeitado dentro da hierarquia da empresa.

O dia amanheceu sem que ele percebesse. Tomou uma ducha, vestiu uma beca nova e tratou de se apressar para chegar antes do chefe. Queria mostrar dedicação e alimentar a nova amizade.

A coisa ficou esquisita quando ele se aproximou da portaria do serviço e foi informado de que era para passar no departamento pessoal. No balcão do DP a funcionária o informou da demissão e pediu que ele assinasse a papelada.

Era o fim da angústia da demissão e o início de um sentimento de frustração. Passou na sala, limpou as gavetas e despediu-se dos colegas, mas não encontrou o chefe.

Na saída, enquanto arrumava seus pertences no porta-malas do carro, percebeu uma mão firme segurando seu ombro. Era o patrão que aparecia de supetão para explicar sua demissão. Não quis ouvi-lo. Agradeceu o tempo no serviço e partiu.

No trajeto para a casa, resolveu contar a má notícia para a mulher. Começou explicando a crise financeira brasileira, passou pela falta de dinheiro circulando mercado, até chegar ao assunto chave.  

Ela ficou tensa, encrespou e desligou. Ele temeu aquela reação e, sem coragem, resolveu perambular pela cidade.

Duas ou três horas depois, atravessou bairros, avenidas e resolveu encarar a situação. Em casa o ambiente era de indiferença. Até que esposa rompeu o silêncio e sentenciou que ali ele não iria ficar. A justificativa foi que, sem dinheiro, não há amor no leito conjugal.

Ele concordou. Calado, permaneceu com os olhos fixos no teto até criar coragem para arrumar algumas coisas na mala. O restante dos pertences foi se amontoando na banco traseiro do  carro. Era hora de partir e procurar um canto.

Saiu dali disposto a encontrar um lugar para passar a noite e refletir sobre vida. Era o momento de refazer os planos. Encontrou um hotelzinho no centro, cafoninha, cheirando a mofo e sem grandes atrativos. O suficiente.

No dia seguinte, acordou com o corpo metido dentro do oco do colchão, espreguiçou e resolveu deixar o quarto. Não havia tristeza e desemprego que resistisse ao esplêndido sol daquela manhã e a calmaria de uma consciência tranquila. Era preciso respirar e seguir em frente. E foi refazer a vida.


* jornalista