Raduan e Freire: o Brasil emburreceu
Raduan Nassar é um gênio da literatura brasileira. Autor de poucas obras, é impossível ler “Lavoura Arcaica” e sair ileso. O texto realmente é um dos mais belos de nossa língua, e a complexidade da trama coloca em relevo a estética em favor da vida.
Como se trata de um romance curto, econômico, ao mesmo tempo extenso e profundo, torna-se possível lê-lo inúmeras vezes, com o benefício de novas revelações e novos aprendizados.
Enfim, trata-se um livro para escritores, lingüistas, psicólogos, sociólogos, estudiosos da alma humana.
Raduan sempre foi um homem discreto. Avesso a entrevistas e exposições midiáticas, suas aparições públicas são celebradas como fato raro. Sitiante, tempos atrás mandou avisar que havia parado de escrever.
Ou seja: produziu pouco, mas cravou seu nome em nossa história.
Não se sabe direito o que levou Raduan a ser um militante político pró-PT nos últimos tempos. Mas o fato é que ele – pelo que sua literatura representa – passou por um processo de canonização Lulista, participando de atos públicos, dando declarações defendendo Dilma Roussef, criticando Michel Temer, difundindo o mantra do “golpe”.
Não se deve condenar escritores por seus posicionamentos políticos. O poeta Ezra Pound apoiou o fascismo e isso não maculou sua obra. O prêmio Nobel Günter Wilhelm Grass foi soldado Nazista e isso não diminuiu sua literatura.
Claro, Nassar não é um caso extremo, no máximo um exemplo de deja vu atônito diante de uma realidade se tornou diferente, derrotando sonhos da esquerda que sempre lutou “por um mundo melhor”.
Raduan foi agraciado merecidamente com o prêmio Camões nesta sexta-feira, no Museu Lasar Segall, em São Paulo, na presença do Ministro da Cultura, Roberto Freire, e outras autoridades.
O público presente era a fina flor do petismo ressentido. Nassar recebeu cerca de R$ 300 mil pelo prêmio, concedido pelo Governo Temer.
Mesmo assim, fez seu proselitismo, criticando os erros do atual governo, reiterando mais uma vez a surrada ideia que o impeachment de Dilma havia sido “um golpe”.
Freire falou por último – numa suposta inversão protocolar – e apontou a contradição entre a crítica de Nassar e a concessão do prêmio. Um governo golpista, com pendores ditatoriais, não agracia adversários, ele afirmou.
Imagino a mesma cena, só com ordem invertida: como seria se o escritor premiado fosse de oposição e estivéssemos em pleno Governo Dilma, sob os auspícios de um público tucano?
Bem, não é preciso conjecturar.
O evento em que se colocou em lados opostos um escritor notável e um Ministro com formação ideológica criada na estufa do PCB foi patético em todos os sentidos.
Pro meu gosto, Raduan devia ter falado sobre sua arte, visto que o prêmio foi concedido ao artista e não ao militante partidário.
Por outro, Freire devia ter trazido à solenidade a sua verdadeira razão de ser: a grandeza da literatura num País banguela e que atravessa um período de mediocrização de valores.
Seria um tapa de luva de pelica.
Mas o momento em que vivemos não permite que haja grandeza de nenhum lado. Tudo é luta política. Tudo é diferença de conceitos. Tudo é divisão entre nós e eles. O Brasil está emburrecendo demais.