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Dante Filho*: Começar de Novo



Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de Mato Grosso do Sul:

Todo recomeço rende seu tributo ao passado e estabelece linhas tênues em direção ao futuro. Vou abordar três assuntos nesse artigo: as perspectivas de 2017 no campo da economia política; o que podemos esperar da gestão de Marquinhos Trad na prefeitura de Campo Grande; e quais os valores fundamentais que os governantes – de modo geral – devem cultivar para garantir avanços diante das novas demandas sociais. 

No tocante ao primeiro tema, sinto informar aos leitores que os primeiros seis meses do ano serão dramáticos. A economia não vai responder aos incrementos das últimas medidas do governo da maneira rápida como se imagina. O quadro social tenderá a ficar mais tenso. 

O Brasil tornou-se uma democracia madura. A sociedade compreende como nos afundamos nessa crise complexa e de difícil saída. Há um consenso de que haverá sacrifícios. O problema é que os segmentos sociais que mais detém privilégios - por ser historicamente melhor instrumentalizado – terminam contribuindo menos do que se podia para a superação das dificuldades. 

As grandes maiorias pagam a conta pesada, perpetrando um processo de desigualdade que jogará cada vez mais água quente na fervura, o que não oferece uma visão de alterações profundas no processo histórico de longo prazo. O Brasil continuará a ser aquele País que saiu da decadência e ingressou na barbárie sem ter conhecido a civilização. Pena.

Olhamos todos os dias para as páginas de economia acompanhamos com certa aflição o aumento do desemprego, subemprego, inadimplências, queda no consumo, retração, contenção e recessão. Atrás desses números existem pessoas. Essas pessoas tendem a se tornar cada vez mais ressentidas. Algumas descambam para a violência difusa. 

Elas estão procurando alguém que as represente com toda essa carga de raiva latente contra os "donos" do sistema. Esses milhões de seres humanos tendem a acreditar em soluções extremas e propostas demagógicas. 

Seguramente, não será deus nem um rostinho bonito com uma voz suave que abrandarão as dúvidas das insatisfações populares. Creiam: será um semestre interessante. 

Nesse sentido, posso dizer que – na abertura do jogo - gostei do discurso de posse de Marquinhos Trad. Ele contém um senso de realidade raro em se tratando da classe política. Pediu prudentemente 12 meses para fazer uma “reestrutura organizacional” na cidade e confiabilidade política para promover ajuste na cultura político-administrativo da Capital. 

Na essência, analisando e comparando com os discursos do passado de Reinaldo Azambuja e Alcides Bernal, Marquinhos ofereceu nova visada na forma de enfrentar os problemas: reconhece a crise de valores políticos, pede paciência à sociedade, diz que vai fazer o necessário arroz-com-feijão para depois implementar seu programa de governo. 

Mais importante: nega-se a ser vítima e de investir no papel de agente punitivo da administração passada, deixando claro que, numa democracia, cada instituição tem o seu papel, não cabendo a ele acusar, julgar e condenar ninguém.

Em termos de bom senso, prudência e racionalidade Trad começou da melhor maneira possível.
Por fim, vou comentar uma questão que termina tangenciando as coisas ditas acima. Numa sociedade em crise a importância do valor expresso da liberdade da imprensa e da livre opinião é fundamental. 

As autoridades brasileiras – municipal, estadual e federal – devem aprender a conviver com a crítica e com as palavras adversas. Ideias devem ser combatidas com ideias. O publicado deve ser combatido com o publicado. 

Intimidações, processos judiciais, ameaças físicas a jornalistas traz em si o erro crucial da desmoralização perante a história. Toda autoridade pública devia imaginar que o mais importante legado que ele deixará para as futuras gerações não será obra física e sim exemplos morais de apego à ética e apreço à democracia. O resto, apodrecerá e voltará a ser o que sempre foi: pó e lama.


* Jornalista e escritor