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A escolha do conselheiro: uma fábula sobre os jogos do poder


Isso que vou contar agora aconteceu num reino distante, num País diferente, num tempo impreciso. 

A história é trivial, mas seu desfecho é surpreendente. Acompanhem. 

O governante precisava nomear um conselheiro para um órgão de funções vitalícias. Era um cargo sem importância efetiva, embora de grande honraria. 

A vaga havia surgido em decorrência da aposentadoria de um de seus membros e, nos bastidores do poder, havia muita agitação em torno dessa escolha, que devia ser realizada até o próximo solstício de inverno. 

O presidente do Conselho foi chamado pelo governante para discutir a ocupação da referida vaga. 

Inicialmente, o assunto foi cercado de grande sigilo. Nada podia interferir nessa escolha. 

O chefe do governo queria atender ao pedido de familiares de um amigo e precisava do apoio incondicional dos parlamentares e conselheiros de que votariam no nome apresentado. 

Não podia haver erros.

O governante sabia que era preciso negociar, atender pedidos, abafar o noticiário, enfim, teria que fazer uma nomeação tranqüila, sem traumas nem borbulhas. 

No decorrer das conversas o conselheiro-mor expressou seu desejo de fazer uma troca de favores. 

Ele queria que o governante nomeasse um sobrinho para um cargo fazendário. Houve concordância no primeiro momento. 

Dias depois, veio a se saber que o pleito do conselheiro esbarrava numa questão técnica: a função reivindicada só podia ser ocupada em decorrência de concurso público. 

O governante então explicou esse detalhe ao conselheiro-mor, que, por sua vez, revelou que o sobrinho, por sorte, havia participado das provas concursais e era o centésimo vigésimo terceiro colocado. 

O governante viu então uma nova dificuldade para atender o referido pleito: pelas regras normais ele teria que convocar pela ordem de aprovação. Em sendo assim, certamente, levaria anos até que o sobrinho do conselheiro fosse convocado e nomeado. 

Houve um impasse. E o assunto ficou suspenso. Semanas depois, o conselheiro-mor em conversas com o governante mostrou-se irredutível em relação ao seu pedido.

Era muito importante para ele ter um parente próximo dentro da máquina financeira do Estado. 

Foi então que se tomou a decisão: foram convocados, de uma só tacada, 123 novos funcionários para os órgãos fazendários e, assim, realizar o pedido do conselheiro-mor, que teve a nomeação do sobrinho. 

O governante ficou momentaneamente preocupado porque isso geraria despesas pesadas para o Estado. A crise era dramática e os tempos eram de austeridade. 

Mas ele acabou se conformando: “como acomodar tantos interesses diante do desejo de um velho amigo e de sua família para um cargo vitalício na Corte?”, concluiu. 

E assim foi feito. 

O governante naquela noite teve sonhos intranquilos. Quando acordou bem cedo, estranhamente, constatou que o inverno chegara mais cedo. Olhou pela janela e viu que o dia estava cinza e uma forte nevasca caia inclemente. 

No noticiário da rádio oficial o locutor cometeu um engano e afirmou que caiam “neves” fortes lá fora. 

O governante ficou paralisado olhando pela janela do imenso jardim do Palácio do Governo assistindo ao espetáculo da estranha tempestade imprevista. 

Realmente, a neve era densa, pesada, intermitente.

E foi assim que, estupefato, enxergou uma pequenina mancha movendo-se ao longe. 

Quase não acreditou: a milhares de quilômetros da costa, saindo do meio do bosque, ele viu caminhando em sua direção um pingüim – sim, um estranho e imenso pingüim – o que lhe levou, então, a ter um vislumbre repentino do futuro que se anunciava no horizonte: seu governo estava chegando ao fim. 

Foi nessa hora que o governante compreendeu tudo - e chorou.