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Pedro Mattar: Humanos Diversos


SEM MEDO DE IR PRO INFERNO. SEM ESPERANÇA DE IR PRO CÉU.

Passei um pequeno trecho da minha vida querendo ir pro céu. Nesse mesmo período eu tinha um medo cabuloso de ir pro inferno, imaginava a lava quente espirrando em mim e o tridente me cutucando por alguma razão.

O purgatório pintava na minha cabeça como uma incômoda sala de espera, todo mundo de cueca, de acordo com o pudor da época, e eu encolhidinho a espera de saber se dali iria pro céu ou inferno.

Não sei se por deméritos meus ou por indução da igreja, o fato é que esse meu trecho criança ficou comprometido e não tem como repará-lo.

Minha evolução poderia ter sido mais produtiva se não tivessem enchido minha cabeça com as merdas que jogaram lá e com as culpas que me fizeram sentir.

Culpas são armas poderosas e inibidoras. Quantas vezes fui dormir com uma culpa enroscada na consciência por ter tido um pensamento sacaninha, coisinha de nada, tabus religiosos que era potencializados pelos padres e que nos faziam parecer criminosos seriais.

Vão pra puta que os pariu todos os que tornaram a minha infância um trem vagaroso, pesado e atrasado. Por causa deles demorei em pegar velocidade. Poderia ter sido uma cara inteligente, talvez um bom escritor, uma cabeça com maior raciocínio e melhor lógica.

Agora, passado tanto tempo de mal uso, tenho que me conformar em ser o que sou, esse traste que você lê, ou não. Hoje eu não quero mais ir pro céu, a não ser como caminho pra chegar em Paris.

Tirando o fato de achar que fui tungado na infância com essas baboseiras bíblicas, meu ateísmo foi um momento libertador gratificante.

Ele aconteceu como a luz que se acende depois de um longo período de escuridão. Alguém deixou a porta da prisão aberta e sai para descobrir o mundo sem conversa fiada ao sair dali.

Nada é mais libertador do que perder o medo de pensar a partir de você mesmo. Porque a gente nasce pensando com a cabeça dos outros, da experiência vivida por outros e não aquela que permite avaliar tudo por si mesmo.

Antes de ser ateu (ou seja o que isso signifique) eu era um covarde. Por me considerar culpado e sem saber do quê. Tinha a sensação que negar esse tal deus era o caminho mais curto para o inferno. Réu sumário. Eu, hein? Na verdade acatava a culpa por medo de confrontá-la.

O ateísmo é um ato de coragem, descobri, examinando meus achados de lucidez. Porque enquanto a maioria de vocês aceita a existência de deus, eu aqui, o babaca de plantão, nada de braçada nas águas da consciência tranquila. A tese é simples.

Se esse tal deus existir, como corre o boato, e ele for tão bom quanto dizem, não quererá se vingar de um  ingênuo como eu, só pelo atrevimento de não acreditar nele. A não ser que deus seja vingativo. Se for, nao merece o que se fala dele.

Muitos dos que dizem acreditar, usam deus como o “puta merda” no banco do carona dos carros, precisam de algo onde se agarrar e essa é a sua opção. Não vou discutir essa opção, o “puta merda” dos carros pode ter ajudado