Velórios passaram a ser meros encontros sociais, e, às vezes, até sociais demais. Chega-se cedo, ouve-se silêncio, observa-se quem apareceu e quem faltou. Há aqueles que comparecem por dever, mas há os que fazem questão de ser vistos e lembrados. O morto, coitado, é só o pretexto.
O centro das atenções são os vivos. Entre uma lágrima e um abraço, discute-se política, herança, revê-se desafetos e até pedidos de emprego. É a vida...
A morte, hoje, incomoda mais do que antes. O que mudou foi nossa tolerância com a ideia da finitude. Como aceitar a morte com tantos avanços da ciência?
Nossos avós sabiam morrer. Faleciam em casa, no leito, rodeados de gente que aceitava o ciclo. Hoje, queremos morrer higienizados e, se possível, com aplicações de botox.
A turma do Vale do Silício está tentando resolver o problema. Injetam células-tronco, dormem em cápsulas futuristas. Querem viver 150 anos. A juventude virou obsessão e o corpo virou laboratório.
Mas o escritor Jonathan Swift já nos avisou, com uma crueldade que só os bons escritores têm: viver para sempre é uma maldição se a juventude não vem junto. A eternidade pode ser um castigo.
Sem a ideia do fim, a vida vira enrolação. Sem um relógio que corre, perdemos o sentido da urgência. Urgência para amar, decidir, mudar, criar. Gente que não acredita que o tempo acaba, vai levando a vida como quem espera eternamente por uma segunda chance.
Claro, há os que acreditam na alma e seus destinos. Consultam os mortos, acendem velas, escutam vozes. O além virou linha direta para resolver angústias. Como nos filmes ‘Ghost’ e ‘Além da Vida’, fantasmas viraram conselheiros sentimentais de vivos sem coragem de lidar com o cotidiano.
Em o ‘Andar do bêbado’, o escritor Leonard Mlodinow defende a ideia de que tais manifestações espirituais e aparições sobrenaturais são apenas reações musculares, influenciadas pelo medo ou expectativa.
No fim das contas, todos querem escapar da única verdade que nos iguala. Mais cedo ou mais tarde, vamos embora. E, por incrível que pareça, é isso que faz a vida valer a pena: o valor de cada instante.
PS - Claro que não falei aqui da morte trágica e repentina, que comove multidões; ou da morte nas guerras, que, individualmente, é um horror, mas na contagem de milhares vira apenas uma estatística. Esse é outro assunto. Mesmo assim, como diz um amigo jornalista, não adianta lutar, ela sempre vence no final.