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Dante Filho: Prisões e escândalos não influenciam os eleitores


Aprendi há muito tempo que é feio prejulgar pessoas. Um fato – como acontece no cinema, na novela e na literatura – contem muitas versões. A verdade sobre inocência e culpa depende de muitas variáveis, circunstâncias e perspectivas. 

Portanto, acontecimentos na esfera da política (principalmente quando o processo eleitoral está na bica) sempre surgem trazendo o condão das armações de bastidores. A paranóia, a desconfiança e a teoria da conspiração têm poderes inimagináveis.

Depois que prenderam Lula tenho a impressão de que, para uma parcela da sociedade, o fato perdeu seu charme moral. 

O PT tem esperneado tanto, alegando que se trata de uma prisão política, mobilizando esforços de instituições internacionais para soltá-lo da carceragem, que terminamos incorporando esse dado objetivo como um fenômeno histórico e cultural dos novos tempos. 

Sabemos que é tudo lorota, mas a vibração permanece no ar como se fosse um mantra.

Reparem: se soltarem o homem e ele tornar-se candidato poderá ser até presidente da República. Por que? Porque para parcela ponderável dos brasileiros a tese da conspiração das elites perversas contra um líder popular é uma espécie de tábua de salvação argumentativa para garantir a adesão a um propósito político que conquistou, até agora, o coração e as mentes de milhares de pessoas. 

O vitimismo remonta o período pré-socrático e permanece como um símbolo de nossa cultura.

Nesse aspecto, a prisão de Lula ajudou a desmistificar o fator “escândalo” de atos como esse. No passado, o sujeito estaria liquidado. Mas agora parece que ganha uma aura curricular, quase uma coisa hagiográfica. 

Vamos fazer um paralelo e pegar o caso do ex-governador André Puccinelli. Ele foi preso duas vezes e ganhou o mimo da tornozeleira por algum tempo. No primeiro momento, foi uma surpresa. O nível emocional da população subiu às alturas. Mas, mesmo assim, ele tornou-se pré-candidato e está se preparando para a convenção partidária. 

(Alguém está lendo esse texto com o fundo musical "Don't Cry for Me Argentina"?..)

Diante da prisão, a classe política local – de todos os espectros ideológicos e de todos os partidos – moitou. Ninguém deu um pio real. Ao contrário, centenas se dirigiram à carceragem – ou se manifestaram pelas redes sociais – emprestando-lhe apoio e solidariedade. 

Ou seja: sobressai a impressão de que escândalos e prisões estão se naturalizando no ambiente político. Como não há santos no horizonte, paira o sentimento de que, a qualquer momento, aqueles que circulam por aí em liberdade, proclamando-se paladino da moral e dos bons costumes, também correm o risco de cana dura. 

O entorno do governador Azambuja, por exemplo, está com toxicidade acima do limite. A vida do Juiz Odilon está sendo perscrutada em suas profundezas. 

Prefiro nem entrar em detalhes...

Enfim, colocando lado a lado os três principais candidatos ao governo do Estado – por enquanto – ninguém poderá bater no peito e entoar o canto de Pery da ópera de Carlos Gomes. 

As pesquisas indicam que Lula mantém a dianteira nas preferências eleitorais, apesar de rejeição imensa. Utilizando os mesmos critérios, Puccinelli segue os mesmos passos. 

Pergunta-se: por que isso está ocorrendo, mesmo depois das lições pedagógicas da Lava-Jato, que demonstrou ad nauseam a montagem de um mecanismo predatório do sistema político nos últimos 30 anos, engendrado pela constituição de 1988?

Simples: por força dos caciques não houve “vontade” de renovar lideranças dentro dos partidos. Houve uma sinergia partidária para enfeixar lideranças e militâncias dentro um sistema de corrupção endêmica que teve efeito paralisante. 

Quem reclamou, foi expelido e perseguido. O resultado é a mixórdia do momento.

Não acredito que prisões e escândalos mudem o rumo do voto. Nenhum candidato que disputará as eleições locais atrairá o eleitor de Puccinelli em caso de ele não ser candidato. 

Na cabeça daquele que tem o voto consolidado – algo em torno de 20% - a prisão de seu preferido não altera seus sentimentos. 

Na verdade, no âmago do processo esse fato poderá se transformar em força contrária contra aquele que aparecer no imaginário coletivo como artífice da armação. 

Os “analistas” que pensam que Lula e Puccinelli estão acabados, não estão entendendo direito a natureza do atual momento eleitoral. O jogo está apenas começando. E será emocionante.